Capítulo 1 - Dom Eduardo - Parte 8

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Dom Eduardo

Após o Imperador se sentar ao centro da mesa, Lorde Lucas prontamente se senta entre ele e seu sobrinho. Lorde Francisco Baliol senta-se à esquerda do Imperador, como Dom Eduardo havia antecipado, e logo à esquerda dele senta-se Lorde Emílio Petros.

Já beirando os seus cinquenta anos, Lorde Baliol parece forte como o touro que exibe no brasão de sua família. Com quase dois metros de altura e ombros largos, o Lorde mais poderoso da Terra do Amanhã e dono do Castelo do Ninho possui uma aparência intimidadora. Seus olhos verdes são frios como as noites de inverno da Terra do Gelo e ele ostenta uma vasta barba grisalha que cobre grande parte do seu largo queixo. Nem mesmo a calvície foi capaz de subjugar Lorde Baliol; ele tratou de se antecipar e raspar sua cabeça até o último fio de cabelo. Desde que assumiu o Ninho, após o falecimento de seu pai, o implacável Lorde tratou de construir a sua reputação de exímio comandante de guerra, restaurando o prestígio que os Cavaleiros do Amanhã tiveram no passado.

Ao lado dele, Lorde Emílio Petros senta-se em sua cadeira de forma relaxada, com o seu usual meio sorriso. Um dos Lordes mais influentes do Império, Lorde Petros assumiu o famoso Castelo das Mil Folhas e todas as suas terras há pouco mais de dezesseis anos atrás, quando seu pai sucumbiu a uma doença que o atormentava há anos. Embora as Famílias Petros e Baliol sejam rivais de longa data, brigando pela liderança da Terra do Amanhã, Emílio Petros logo tratou-se de se aproximar de Francisco Baliol. Com seus longos cabelos verdes, típicos da Família Petros, olhos azuis, rosto fino e nariz alongado, Lorde Emílio Petros é a própria imagem de seus ancestrais. Embora a beleza dos membros de sua família seja notória, as suas vestimentas de Lorde Emílio ainda assim se sobressaem com seu esplendor. Seu colete verde esmeralda exibe o brasão da Família Petros, bordado em alto relevo com fios prateados. A figura da Árvore Milenar da Sabedoria, tão antiga quanto o próprio Castelo das Mil Folhas, onde ela foi plantada, reluz ao menor movimento de Lorde Petros.

- Se importa? – diz Rosso, aproximando-se de Dom Eduardo e acenando para a cadeira ao seu lado.

- De forma alguma. Fique à vontade.

Rosso senta-se de forma desengonçada e barulhenta, como é de se esperar de alguém do seu tamanho, atraindo alguns olhares de reprovação. A única coisa que ele faz com certa elegância e desenvoltura é manejar uma espada.

- Olha para aquelas roupas – ele diz, bem próximo de Dom Eduardo, para que ninguém o ouça. – Dá para alimentar vilarejos inteiros com o dinheiro que elas valem.

- Quem liga para as roupas? Dá para alimentar o Império inteiro por décadas com a fortuna da Família Petros.

- Décadas? Séculos! – Rosso diz. – Mas a única coisa que eu queria era sua espada. Já ouviu falar dela?

- Claro – diz Dom Eduardo. A Espada do Saber é uma das mais famosas e cobiçadas do Império. Dizem que sua lâmina, tingida de um suave tom verde, é tão afiada e precisa que é possível usá-la para se barbear.

- É uma pena que uma espada tão magnífica esteja nas mãos de alguém tão inapto.

Apesar de ser reconhecido por sua inteligência e perspicácia, dizem os rumores que Lorde Petros não sabe nem ao menos empunhar uma espada, embora tenha sempre a Espada do Saber pendurada em sua cintura.

Lorde Baliol levanta-se de sua cadeira para fazer seu pronunciamento. Como anfitrião, ele é o primeiro a falar. Rapidamente, todos se silenciam.

- Há séculos, a Família Baliol tem sido fiel à Família Scliros – Lorde Baliol diz, sua grave voz ecoando pelo salão. – Há quinhentos e trinta e cinco anos atrás, quando Lorde Satros Scliros partiu em sua empreitada para unificar o Império, os Baliols foram seus maiores aliados. Ali está a prova desta lealdade.

Lorde Baliol aponta para o outro extremo do salão. Dom Eduardo se vira para trás para olhar. Pendurada na parede oposta, a diversos metros do chão, está uma armadura que, há muitos anos atrás, deve ter sido dourada. Agora, no entanto, possui um tom amarronzado, encardido. O peitoral da armadura, forjado na forma da cabeça de um leão, com uma juba que se estende pelos ombros e braços, denuncia a sua origem. É uma armadura da extinta Família Kraas, a mais poderosa na época em que o Império ainda era fragmentado em dezenas de pequenos reinos.

- Foi meu ancestral, Lorde Fernando Baliol, que expulsou o último Kraas deste castelo – Lorde Baliol diz. – Desta vez, não foi diferente. Erramos ao apoiar a reinvindicação de Lorde Lucas, mas em nenhum momento deixamos de estar do lado da Família Scliros. – Com uma expressão fria e imutável, é impossível saber o que está se passando na cabeça do Imperador ao ouvir estas cínicas palavras. Lorde Baliol retorna seu olhar aos nobres diante de si. – Vossas senhorias são testemunhas do nosso renovado juramento de lealdade ao Imperador Jonas Scliros e aos seus sucessores, e obediência aos termos do Grande Tratado de União.

Ao perceberem que o pronunciamento chegou ao fim, os presentes saúdam o discurso com uma salva de palmas e alguns gritos de suporte. Se, por um lado, o Imperador finalmente demonstra um sinal de satisfação, com um sorriso contido, por outro, o pequeno Príncipe não esboça uma reação positiva sequer, mantendo a expressão emburrada em seu rosto.

O termo de rendição é posto sobre a mesa e prontamente assinado por Lorde Lucas, assim como pelos Lordes Baliol e Petros. Em seguida, os Lordes rebeldes da Terra do Amanhã dirigem-se ao estrado e assinam, um a um, o termo. Por último, o Imperador apõe a sua assinatura e selo.

- Dezesseis anos lutando com espadas, e tudo termina com uma pena e um punhado de cera quente – diz Rosso, com um longo suspiro.

A assinatura do termo de rendição é seguida por uma longa cerimônia de demonstração de lealdade, no qual todos os Lordes rebeldes ajoelham-se na frente do Imperador, e por um suntuoso banquete.

Já é tarde da noite quando o banquete finalmente termina. A esta altura, o pequeno Príncipe já está visivelmente sonolento, e mal consegue manter seus olhos abertos.

- Leve-o para o quarto – diz o Imperador, aproximando-se quando Dom Eduardo já deixava o salão. – E depois, volte para cá.

- Vossa Majestade ficará aqui?

- Sim. Minha guarda real ficará comigo, mas quero você aqui também. – O Imperador dá um meio sorriso e suspira. – Parece que meu irmão acha apropriado discutir mudanças nas fronteiras da Terra do Amanhã agora.

- Diga a ele que isso será discutido amanhã, Majestade. Fora do castelo, no acampamento do seu exército.

- Não, eu prefiro lidar com isso o quanto antes. Esta guerra teve um preço alto, Dom Eduardo. Os Barões estão ficando impacientes. Preciso de terras para pagar as dívidas Imperiais.

- Entendo.

- Deixe o Príncipe em seus aposentos e volte para cá.

Dom Eduardo apenas acena com a cabeça. A verdade é que ele não está surpreso. O próprio Lorde Lucas deve estar ansioso para negociar o verdadeiro preço de sua rendição. Proibido de retornar ao Punho, ele deve assegurar terras para si, caso queira ter o mínimo de influência. Afinal, ele ainda é marido de Lady Victoria Petros, filha do poderoso Lorde Petros.

- Como Vossa Majestade desejar – Dom Eduardo diz. – Assim que eu me assegurar que o Príncipe está seguro em seus aposentos, eu volto.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora