Capítulo 13: Dia de Princesa

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No dia seguinte, a atmosfera pesada instaurada pela história de Gabrielle desvaneceu-se, e Harry decidiu descarregar toda a negatividade em um "Dia de princesa". Planejou diversas atividades relaxantes pensando em seu próprio bem-estar e paz de espírito, e contagiou Sam com sua ideia, possivelmente influenciado pelo café da manhã especial que Harry preparou ao acordar mais cedo, dando o pontapé inicial para aquele dia dedicado à preservação de suas saúdes mentais.

-O que é tudo isso? - Perguntou Sam, esfregando os olhos, ainda com sono, e usando apenas uma bermuda de Harry com a qual tinha passado a noite e uma corrente prateada de uma espessura quase invisível.

-É para nós. Eu decidi que hoje vai ser um dia totalmente dedicado à nós. - Disse Harry, cruzando os dedos das duas mãos atrás da nuca de Sam, que retribuiu o ato posicionando suas largas mãos na cintura do namorado.

-Você decidiu? Então quer dizer que eu não tenho escolha?

-Como se você tivesse algo melhor para fazer.

-Justo. - Finalizou Sam, beijando rapidamente a boca de Harry, e sentando-se à mesa para aproveitar o café da manhã.

A mesa estava farta de torradas, bolos, geleias, frutas e iogurtes, e claro, chá de hibisco com maçã, e não demorou para que os dois devorassem avidamente a refeição.

-E então...por onde começamos? - Indagou Sam, afundando-se na cadeira da mesa de jantar e apoiando a cabeça nos braços erguidos, revelando suas axilas raspadas abaixo dos músculos salientes dos braços.

Harry respondeu, desviando o olhar de Sam, cujo a imagem de seu corpo a mostra excitava-o, e deu a volta na mesa, massageando os ombros do namorado enquanto respondia, sentindo sua pele quente nas mãos:

-Espere aqui.

Harry saiu e voltou minutos depois, com máscaras faciais para esfoliação, e sentaram-se no sofá para maior conforto enquanto passavam o produto um no rosto do outro. Harry colocou uma playlist de músicas relaxantes como fundo sonoro, e deitaram-se no tapete, voltados para cima, esperando a máscara secar. Durante esse tempo, conversaram sobre os mais variados temas, desde as notícias mais recentes sobre a pandemia e a resistência de Rose em se prevenir da doença até seus medos mais íntimos e nunca antes revelados. Em dado momento, a conversa se voltou para Gabrielle:

-Como será que a Gabrielle está? Eu imagino que deva estar enfrentando uma mania de perseguição tremenda, com medo de o marido voltar ainda pior do que antes. - Disse Sam.

-Eu prefiro pensar que ela deve estar se sentindo livre, com um peso a menos nas costas. O que nós fizemos foi muito importante. - Retrucou Harry.

-Nós só fomos coadjuvantes. Quem deu o primeiro passo foi ela, e eu admiro a sua coragem por isso.

-Não deve ser fácil. Mas já acabou. Está tudo bem.

Procedeu-se um longo silêncio.

-Acho que já se passaram 15 minutos. - Disse Harry, levantando-se.

-Hora de lavar o rosto!

Harry e Sam removeram as máscaras e lavaram o rosto, e era evidente a diferença na maciez de suas peles.

-Próximo passo! - Disse Harry, animadamente, com sua inocência quase infantil nos olhos.

Harry acendeu um incenso de cheiro agradável, e Sam sugeriu em seguida:

-E se nós... pintássemos as unhas?

Harry surpreendeu-se com a proposta de Sam, que logo se explicou:

-Depois que nos maquiamos, uma barreira foi quebrada dentro de mim. Por que nos ater aos conceitos de feminino e masculino, se podemos ser os dois? Eu sempre tive essa curiosidade dentro de mim. Eu vejo como algo natural. E não é certo reprimir esse instinto. Vamos lá, por que não? Vai ser divertido.

-Eu não poderia concordar mais. - Harry compartilhava desse pensamento havia algum tempo, novamente por ter contato com uma geração mais acolhedora e pela forma como sua sexualidade era tratada em sua casa que, apesar de não ser desconstruída, nem se comparava às repressões que Sam sofrera. E deixava Harry muito feliz o fato de que Sam estava se abrindo a essa nova realidade, quebrando seus próprios tabus e preconceitos enraizados, plantados em sua cabeça por uma sociedade doente, na qual os valores são mais teóricos do que práticos, e os julgamentos ocorrem a todo momento, simplesmente por amar alguém do mesmo gênero, aliás, um conceito deturpado de gênero, propagado por diversas gerações.

Harry foi até o banheiro e pegou alguns esmaltes coloridos, também esquecidos na casa por Nancy, dos quais não devia sequer se lembrar da existência, e começaram a pintar. Sam pintou as unhas de Harry de amarelo, azul e rosa, alternadamente, e com uma caneta preta desenhou rostinhos felizes em cada uma das unhas amarelas, nuvens nas unhas azuis e corações nas unhas rosas. Harry, por sua vez, pintou as unhas de Sam de rosa, verde e branco, desenhando com a caneta preta linhas sinuosas nas unhas brancas e bolinhas esparsas nas unhas verdes, deixando as unhas rosas intactas. O que chamou a atenção de Harry foi ver os olhos de Sam enchendo-se de lágrimas conforme aplicava os esmaltes, e levantou seu queixo com as mãos, fazendo seus olhares se encontrarem, e limpou as lágrimas do namorado com o polegar. Por algum motivo aquilo acessou em Sam emoções que não conhecia até então, e sentiu-se verdadeiramente livre, mesmo estando enclausurado nas dependências do apartamento.

Finalizado isso, Harry e Sam arrastaram o sofá para o lado, deixando a sala de estar com espaço livre para se divertirem jogando Just Dance no videogame, e assim passaram toda a tarde, competindo entre si pelas melhores pontuações em suas músicas favoritas. Havia tempo que não se divertiam daquela maneira, e era bom esquecer um pouco os dramas de casal, para variar. Depois de tudo o que passaram juntos, mereciam se descontrair despretensiosamente e sem preocupações.

O sol começava a se pôr quando decidiram fazer uma chamada de vídeo com Martin, que atendeu prontamente, trazendo boas notícias. Martin era mais jovem que Harry e Sam, com apenas 19 anos, e se encontrava no meio do complexo processo de autoaceitação em relação à sua sexualidade. Entendia-se como bissexual, e encontrou em Harry e Sam um alicerce para se fortalecer, fornecendo-o a coragem necessária para se assumir para a família. Detestava o fato de ter que se assumir, e tinha-o como completamente injusto já que as pessoas heterossexuais não tinham que passar por esse conflito interno, muitas vezes resultante em consequências psicológicas negativas. A heteronormatividade lhe era repugnante, especialmente por ter nascido em uma geração onde a fluidez da sexualidade era tratada com mais naturalidade, mas ainda vista com preconceito pelas gerações passadas. Sentindo que sua intimidade com a mãe e a irmã tinha se intensificado devido ao isolamento social, confiou-lhes esse aspecto de sua vida, e a reação das duas foi severamente oposta à que tiveram as famílias de Harry e Sam. Martin foi abraçado e apoiado por sua família, acendendo em Harry e Sam uma esperança há tempos apagada de que o mundo poderia ser acolhedor para os membros da comunidade LGBTQIA+. Martin chamou sua irmã, no quarto ao lado, para falar com Harry e Sam sobre o assunto.

-Não posso dizer que fiquei surpresa. Eu conheço meu irmão como a palma da minha mão. - Disse a irmã de Martin para a câmera do computador.

-Ficamos felizes por vocês. - Disse Harry, com sinceridade.

-Se vocês precisarem de algo, podem contar com a gente. - Disse ela, despedindo-se e deixando o quarto de Martin.

Passaram a noite divertindo-se e conversando, mas como todas as coisas boas tem um fim, Martin teve que deixar a chamada de vídeo para dedicar-se aos estudos. Harry e Sam não tardaram a ir dormir, visto não haver mais nada a fazer naquele dia, mas esse estado de tranquilidade não iria perdurar por muito tempo.

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