Capítulo 7 - Ezequiel - Parte 1

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Ezequiel

O ar da manhã está pesado com o sal do mar. Ezequiel pode sentir o frescor da maresia em suas narinas. O cheiro é familiar, algo que o tem acompanhado por toda a vida.

Ele fecha a porta do bar, deixando para trás o barulho das conversas, brigas e brindes. Agadir sempre foi uma cidade caótica, mas Ezequiel tem a impressão de que o caos apenas piorou nos últimos anos. Ele olha em volta e vê pelo menos uma dúzia de homens esparramados pelo chão de pedra. Alguns estão bêbados, enquanto outros estão desacordados depois de terem levado uma surra. Um parece estar morto, envolto por uma poça de sangue. Neste lugar, aonde marinheiros, estivadores, corsários e mercenários vêm para se entreter, é normal que um ou dois corpos apareçam jogados na rua pela manhã.

Ezequiel ouve o ranger da porta do bar se abrindo. Ele olha sobre o ombro e vê Hugo, o Chefe de Armas de sua tripulação.

- Já vai tão cedo? – Hugo pergunta.

Ele está apoiado na moldura da porta, com uma garrafa quase vazia debaixo do braço, seus olhos cerrados com a clareza do sol da manhã. O seu cabelo crespo de fios grossos está uma bagunça e sua camisa de linho está aberta até o peito. O seu aspecto faz Ezequiel sorrir, lembrando-se de como ele era quando o viu pela primeira vez, vestido nas cores negras da Guarda dos Mares.

- Por que o sorriso?

- Nada importante – Ezequiel diz. – Eu vou voltar para o navio. Estou cansado.

- Cansado? Você? Não minta para mim.

Ele tem razão. Ezequiel não está cansado; ele está preocupado. Geralmente, não haveria problema em ficar atracado no Porto da Ilha do Nordeste por alguns dias. Alguns documentos falsificados e subornos são suficientes para passar despercebido. Porém, Ezequiel tem notado uma grande movimentação de galeões da Guarda dos Mares. Algo está acontecendo, e Ezequiel tem a impressão de que é algo relacionado à Guerra dos Dois Irmãos. As últimas notícias do Ninho foram chocantes até para ele, que está acostumado com um certo nível de barbaridade em sua vida. Ele não quer arriscar ficar atracado no Porto e ser pego de surpresa por uma grande frota de guerra chegando em Agadir.

- Você pode ficar mais se quiser – Ezequiel diz. – Mas volte para o navio hoje à noite.

- Esqueça. Eu vou com você. – Hugo fecha a porta do bar e deixa a garrafa que estava carregando cair no chão. – Mas que porcaria! Isso era bom vinho.

- Há vinho suficiente no navio. Vamos embora.

Hugo posiciona a sua mão para descansá-la no punho de sua espada, mas não há espada nenhuma em sua cintura. Ele resmunga algo, seu rosto retorcido numa expressão de descontentamento. Ezequiel não deixa que ele carregue seu sabre nas ruas de Agadir. A cor de sua pele já atrai atenção indesejada. Todos sabem que os membros da Guarda dos Mares têm a pele negra e carregam espadas desde pequenos. Hugo seria alvo certo de seus ex-colegas se andasse com sua espada pelas ruas de Agadir. A Guarda dos Mares não é nem um pouco tolerante com desertores.

- E então? – Hugo diz. – Qual vai ser a próxima viagem?

- A próxima viagem vai ser de volta para as Ilhas do Esquecer. Temos que sossegar por alguns meses.

- Sossegar? Como assim?

- Nós quase fomos pegos dessa vez, caso você não tenha percebido. Dois navios que estavam na nossa frota afundaram, e um outro foi apreendido pela Guarda. Eles estão por toda a parte agora. Os mares estão infestados por esses ratos. Eu acho melhor voltarmos às Ilhas do Esquecer e esperarmos a poeira baixar.

- E daí que alguns navios afundaram? Eles eram corsários também e sabiam muito bem dos riscos. O importante é que nós saímos intactos e conseguimos o maior saque das nossas vidas!

- Mais um motivo para voltarmos – Ezequiel diz. – Nós temos dinheiro suficiente para nos sustentar por vários meses.

- Você não é mais o mesmo – Hugo diz, com rispidez. – Você está ficando velho.

- Velho e sábio. Esse assunto está encerrado.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora