~ 𝐏𝐚𝐫𝐭𝐞 𝟏 ~

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Por longas semanas, sentava-se na poltrona ao lado de sua lareira e montava quebra-cabeças. E, apesar de entregar sua parte bestial em sacrifício para salvá-los, o sentimento de falta ainda cascateava de seu coração duro feito pedra. Enquanto em sua mente, o raciocínio pestanejava em assombrá-la. Será que sem aquela sede de sangue, perderia sua essência? As pessoas perderiam o medo de sua afronta? Deixaria de ser Amren?

Deixaria de ser um monstro? E... O que haveria de ruim nisso?

Começar a viver como feérica, que mesmo sendo a espécime de seus companheiros, continuaria sendo um empecilho para si mesma... Ao menos, uma grã-feérica.

Isso se chamava medo. Aquela possibilidade de se perder lhe causava arrepios, lhe mostrava a face do desespero.

Mas nunca iria admitir que estava com essa sensação. Precisava manter sua força, e desenvolver suas novas habilidades. Aprender com sua nova e única opção, porque ela nunca fugiu do receio. Amren o enfrentava, matava, estrangulava, e almoçava até estar satisfeita.

Só que agora estava sozinha, agora que Tarquin precisava dele para reconstruir a Corte Estival em todos os momentos, a cada segundo que ela tentava se adaptar à nova forma de ver o mundo, em seu corpo permanente.

Não por isso. Era mais fácil quando estava com ele, com o motivo... Não. Apenas um dos motivos por qual desistiu de uma parte sua. Entender o sentimento de ódio que preenchia seu peito, a fúria dos intermináveis dias sem Varian..., odiava aquela sensação, e a vontade de dizê-lo o quanto o amava.

E começou a odiar quaisquer seres feéricos que lhe entregava as joias e pedras preciosas para recompensá-la pelos dias longe. Nunca pensou que fosse parar de apreciar o brilho e o quanto inestimável é cada uma delas. E pensar que mal ligou para os presentes quando sabia que o maior presente era aquele idiota ainda estar ali ao seu lado...

Essa incerteza em admitir, os sentimentos feéricos que lhe preenchiam a alma pútrida. Toda a escuridão que lhe aconchegava, e sentir que o vazio a infestava aos poucos, que a abandonava.

Até quando Nesta parou a sua porta, e disse que ia partir para fora de Velaris. Ela estremeceu em vontade para impedi-la, e isso nunca havia lhe acontecido. Amren não ligava para o sentimento dos outros. Não ligava para o sentimento de ninguém, além dos mais próximos de si, e os de...

Varian.

Varian era uma incógnita em meio a suas peças de quebra cabeça. Uma incógnita porque no começo era apenas uma peça, que ela tinha domínio e que mal lhe importava, e depois se tornou uma necessidade, a quem ela deu sua vontade de voltar para seu antigo lar. Deu seu amor e carinho, sua força, foi a quem mostrou sua verdadeira vulnerabilidade...

E poderia ela ter entregado tudo isso em vão?

Se quebrado em pedaços, e se tornado fraca, como uma ridícula e minúscula peça de quebra cabeça que lhe rodeava as unhas pontiagudas.

Só de pensar na possibilidade a peça se quebrou entre os calos de seus dedos, e esfarelou-se na palma de sua mão quando fechou o punho abruptamente.

— Eu não sou fraca. — Amren rosnou, ao levantar-se da poltrona, impulsionando seus cotovelos nos braços da cadeira. — Não sou apenas uma maldita peça de um quebra cabeça!

Ela virou a mesa em ódio absoluto, e os olhos prateados reluziram ao ver o fogo que continuava intenso queimar, cada pequena peça, que havia passado horas em raciocínio para achar seu devido lugar. Suas unhas pontiagudas em vermelho escuro como sangue, trincaram ao tocar no colar de rubi que a descia até o meio de seu decote. O decote que ajustou perfeitamente para chamar atenção daquele que lhe entregou outro "pedido de desculpas" esfarrapado naquela manhã.

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⏰ Última atualização: Jun 22, 2020 ⏰

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