Parte 1

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– Zane, não brinques na rua. Vem para dentro de casa.

Ada observou a mãe do menino correr até ao alpendre e estender o braço, enquanto mantinha o robe fechado com a mão livre. O menino grunhiu e atirou a bola de basquete para o chão desanimado. Ada não condenava a zelosia da mãe do menino. Nos dias que corriam era perigoso para as crianças brincarem sem supervisão. Principalmente na área onde viviam, onde os agregados familiares não tinham dinheiro para a proteção dos seus filhos.

Ada tentou suprimir as preocupações que a assolavam. Apertou o casaco contra si e correu até à sua própria entrada, desesperada para fugir do vento que se levantava. Colocou a chave na porta e rodou-a. Dentro da fechadura ouviu-se um pequeno clique. Agora era a parte mais difícil: abri-la. Ada empurrou-a com força para dentro umas três vezes antes da porta ceder.

Assim que entrou foi assaltada por um enorme desejo de voltar a sair. A casa cheirava a mofo, álcool e um cheiro que não conseguia distinguir exatamente, mas que parecia ser lixo. Pousou a bolsa numa cadeira na entrada e dirigiu-se à cozinha.

Como era possível? Ainda ontem tinha lavado todos os pratos existentes naquela casa e hoje já tinha montanhas de loiça-suja.

Ada procurou forças pela segunda vez em menos de um minuto e tentou focar-se que pelo menos hoje era melhor que muitos dos outros dias. Hoje, ele ainda não tinha chegado a casa. Teria tempo antes do inferno começar.

Ada tirou o casaco de ganga e arregaçou as mangas da camisola para poder começar a lavar a loiça. Se ele chegasse e visse esta confusão, a confusão que ele próprio criara, poderia enlouquecer e descontar nalgum deles. Ada não podia deixar que isso acontecesse.

Quando a porta rangeu novamente sob o esforço de quem a tentava abrir, Ada sentiu o coração ficar pequenino. Ainda não tinha adiantado muito da loiça. "Ao menos só estou eu em casa", pensou.

Uma gargalhada de criança ouviu-se do outro lado da porta e o seu aperto extinguiu-se. Um adolescente e uma criança entraram animados e juntaram-se a ela na cozinha.

– Mana, mana. – Adam, o irmão mais novo de Ada, pulava de alegria enquanto tentava mostrar-me qualquer coisa que tinha feito na escola. – Olha o desenho que eu fiz na escola.

Ada sorriu e afagou-lhe o cabelo com o braço, a mão enluvada e encharcada levantada para não escorrer água para cima dele.

– Vais ter que ficar quieto para eu poder ver. – Adam parou de saltar e os livros e canetas na sua mala, pararam de fazer barulho. Colocou-se em bicos de pés e estendeu o desenho.

– Vês? Esta menina és tu, aquele é o Jonah, e este aqui sou eu.

Adam desenhava excecionalmente para um rapaz de seis anos. As memórias mais antigas de Ada sob o seu irmão mais novo envolviam-no sempre a rabiscar nos cadernos, na terra e até mesmo nas paredes. Costumava colocar a mãe dos três em fúria, mas a ela nunca tivera coragem para ralhar com ele. Muito menos quando a maioria era desenhos dela.

Ada trocou um olhar desconfortável com o irmão, Jonah, que encolheu os ombros.

– Então e o pai? – perguntou.

Adam abriu muito os olhos e olhou de Ada para o Jonah e novamente para a Ada.

– Esqueci-me – disse encolhendo os ombros. – Mas mana, eu não o quero pôr no meu desenho – desculpou-se. – Toma, é para ti.

– Coloca-o no meu quarto, guardado no nosso sítio secreto, pode ser?

Adam sorriu e começou a subir as escadas a correr.

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