O Gato

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     Se alguém me perguntasse, eu teria que dizer que não sei. E acredite, já tentei pensar em como esse pequenino animal quadrúpede e felino veio surgir em minha porta. Depois da pequena e interiorana cidade de Coral, no Oeste do Rio Grande do Sul, subindo as montanhas do Vale do Ímpeto você encontrará meu lar. Uma casa lançada em meio ao nada, e isso, claro, é proposital.

     Sempre que me encontro vazio de ideias, é para cá que fujo. Longe dos problemas de Porto Alegre, imerso só comigo mesmo. Com o celular no modo avião e sem cabos de internet par ame conectar ao resto do mundo.

     E não sei se alguém há de ler as palavras que cá escrevo. Esse diário nada mais é que um registro de como criarei minha mais nova obra. Se é que hei de criá-la. Mas enquanto não o faço, tenho de me ocupar com esse pequeno animal.

     O mesmo quadrúpede que citei anteriormente, surgiu a minha porta em certa noite de chuva densa.

     De olhos amarenos e pelagem branquinha como nunca vi. De nariz cor-de-rosa, tal qual as almofadas em suas patas. Na ponta da longa calda em forma de interrogação, uma penugem preta. Ele não entrou assim que abri a porta, apenas continuou lá, parado debaixo da água torrente, despencando do céu como se gritasse em choro infindável. O pequenino aguardou que eu desse caminho, e com toda a classe, andou casa adentro.

     O apanhei e enxuguei. Ele era silencioso e altivo, com todo aquele ar de superior que a maioria dos gatos demonstram.

    O servi de leite e com a mesma classe, o lambeu até não restar mais. Pensei em dá-lo um pouco mais, toda via, o bichano — por assim dizer — como se recusasse, afastou-se do vasilhame antes mesmo que eu me atrevesse a derramar o leite.

     Sentei-me frente ao laptop e o mesmo me observava da porta do quarto. Como costumeiramente essa época do ano, o local estava imerso em um frio tenebroso. Então quando chegou a hora de eu repousar e esperar o fim daquela chuva e o dia seguinte, o pequeno felpudo estacionou ao lado da cama e continuava a me encarar, quase como se implorasse a permissão do embarque nos edredons. E eu, coração mole que sou, nunca resisto a olhos carentes de animais. Sendo assim, na primeira noite, o nanico se aninhou ao meu lado e ali repousou.

     Então eu tive o primeiro pesadelo desde que vim para essa casa.

     No delírio do sono, estava acanhando em um canto escuro, como se clamasse por ajuda que sabia eu; nunca viria. E algo me aterrorizava do outro lado, algo que eu não sabia identificar se não pelos olhos dourados, fitando-me da ala escura do local. Alojando-se às sombras como se fossem seu manto de proteção pessoal. Meu futuro algoz e as trevas eram um só. Então se moveu, caminhando daquele canto para o centro do local, do quarto.

     Seus olhos âmbar, dourado e caramelado estraçalharam meu ser, enfiando-me no mais aterrador dos sentimentos. Suas patas peludas — brancas como neve — em passadas calmas e silenciosas, vinham à meu encontro. E sabia ele, que o terror me tomava. E sabia também, que assim sendo, eu nada conseguia fazer além de tentar gritar por ajuda, mas em momento desse, quem disse a mim que essa voz rasgada e alta que sempre tive, me acalentaria com sua presença.

     De forma alguma. Escancarei meus carnudos e secos lábios, quase trincados pelo frio até onde não poderiam mais ir. E gritei, gritei em ar calado que evaporou com o salto do felídeo.

     A criatura veio sobre mim com um pulo e suas patas dianteiras, tal como sua cabeça se enfiaram por dentro da minha boca. Eu o morderia e o estraçalharia se pudesse me movimentar, mas nada mais respondia. Nem minha mandíbula — que hora há pouco, escancarava-se ao tentar fútil de esganiçar — se ousa mais a movimentar um parco de centímetro.

O Gato (Conto de Terror)Onde histórias criam vida. Descubra agora