Capítulo 07

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Lírio

Eu tinha a vaga impressão de que aquele cara estava brincando comigo.

Por que ele estava viajando para o Brasil? Como conseguiu entrar no avião? O que era ele? A explicação mais lógica era que fosse a loucura chegando mais cedo, mas quantas alucinações esquizofrênicas tinham a pele tão quente e faziam cócegas ao falar no ouvido? Dentre todas as suas esquisitices Kit dizia ser algum tipo de deus, talvez eu não devesse descartar essa possibilidade.

Aliás, por que eu estava tão preocupado com isso? O avião já havia iniciado o procedimento de pouso então logo a minha opinião sobre Kit seria irrelevante. Ele iria me ajudar a recuperar o Octávio e então seguiria seu próprio rumo.

Enquanto isso o gosto dele permanecia na minha boca, mesmo após eu escovar os dentes eu ainda sentia seu pau deslizando contra a minha garganta, o gozo quente escorrendo no meu rosto, o cheiro... nossa, se eu lembrasse do cheiro ficaria duro de novo.

Recuperar meu noivado com o Octávio seria ainda mais difícil agora, então por que uma parte de mim não conseguia se arrepender? Pelo menos consegui adiantar um pouco do trabalho da semana, talvez não precisasse virar nenhuma noite recuperando o tempo perdido. Eu guardei meu laptop e os documentos na maleta e então espiei para o lado, estranhando o silêncio do homem pelado.

Para a minha surpresa — em dose dupla — Kit não estava dormindo, como imaginei que estivesse, e nem ao menos pelado: ele agora estava vestindo uma calça jeans escura e uma regata tão justa que dava até pra ver o relevo dos mamilos.

De onde ele tirou aquelas roupas? Quando ele se trocou? Kit ocupou o assento da janela durante todo o voo então eu teria o percebido se trocar, ou ir ao banheiro para fazer isso. Entretanto ele já estava totalmente vestido, penteado e até calçado com um par de tênis simples e novos. Usando roupas ele até parecia normal, e vê-lo admirar a paisagem tão distraído mexeu com algo dentro do meu peito.

Enquanto ele observava o mundo lá fora seus olhos pareciam espelhos refletindo o azul do céu.

No que será que ele estava pensando? Ele parecia tão contemplativo... e até um pouco triste.

"É a sua primeira viagem?" Eu me lembrei dele dizer que raramente deixava seu templo em Tóquio.

"Sim." Ele respondeu simplesmente.

"Você já conhece alguma coisa sobre o Brasil?"

"Poucas coisas."

Eu sorri, sem saber por que no fundo eu sentia meu coração tão aquecido, e ao mesmo tempo tão apertado. Por que ele estava triste? Foi porque eu chorei, mais cedo?

Durante toda a aterrissagem Kit manteve a atenção na janela, como se não quisesse perder nenhum detalhe. Na minha opinião a vista aérea de Tóquio era bem mais fascinante que a vista aérea de São Paulo, mas talvez fosse porque eu já estava acostumado com o bom e velho Brasil. Enquanto que o avião decolou à noite nós estávamos chegando no meio da tarde, então devia ter muito mais para se observar, também.

Quando o avião enfim desligou os motores eu me levantei e estiquei as pernas com alívio no corredor.

"Bem vindo ao Brasil, Kit." Eu falei, esperando que meu ânimo recuperasse o entusiasmo dele. "Não se perca de mim, este aeroporto é imenso."

Kit não sorriu, mas também não parecia mais tão melancólico. Ele desembarcou do avião olhando para todos os cantos, quase grudado em mim. Realmente tudo devia ser novidade para ele.

Nós passamos pela imigração, aliás, eu passei com a minha documentação e ele simplesmente surgiu do outro lado sei lá como. Vantagens de ser um delírio esquizofrênico, talvez. Eu estava ansioso sobre o nosso primeiro destino em solo brasileiro, então não perdi tempo o questionando sobre isso.

Nas Garras da RaposaOnde histórias criam vida. Descubra agora