Os seguranças, como vultos perturbadores da noite, patrulham os corredores em pares. Maven não disse uma palavra depois da nossa conversa perturbadora na sacada. Mas, como eu, quer evitar tocar neste assunto tão desconcertante. Os seus olhos já falam o bastante. Sinto muito. Sinto muito. Sinto muito.
Lembro-me do dia em que o rei Tiberias jogou diversas folhas aos meus pés antes de me colocar nesta confusão. Todas suas linhas continham minhas informações. Mas informações incompletas. Ele não disse que já sou órfã, muito menos o motivo da minha mãe ter me largado aqui na primeira oportunidade que teve. Por isso a ignorância constrange Maven. A desinformação de seu pai o deixou em maus lençóis.
Mas também ninguém se importaria com a história de uma vermelha. Parte daquelas linhas estão em branco, porque a vida de um criado não tem muito para ser contada. Sou praticamente um fantasma, como Tiberias disse. Como odeio concordar com aquele homem.
O braço de Maven está rijo sob meu toque. Ele ainda não esqueceu do meu relato, e aposto que não esquecerá tão cedo. Parece que quer falar algo, mas o orgulho é mais forte, o impedindo de o fazer. O entendo. Pedir desculpas fere demais o nosso ego.
Já posso ver o andar dos aposentos quando sinto seu corpo relaxar. Os seguranças não ousam nos parar quando vêem a gente de braços dados, seguindo o nosso caminho tranquilamente. Uns até acenam discretamente com a cabeça.
Dessa vez, as desculpas vêm, mas não dele.
— Peço perdão por ter te metido naquela situação — digo, me referindo aos sentinelas na sacada. Meu ego segue intacto.
Maven parece se acalmar ao ver que não vou falar sobre o constrangimento de minutos atrás.
— Não se preocupe. Os sentinelas são difíceis de lidar mesmo — ele dá um sorriso tímido e limitado.
Assinto sem falar nada. O assunto congela, assim como as palavras. Não sei o que dizer diante de Maven, coisa que nunca me ocorreu. Minhas bochechas esquentam por baixo da pesada maquiagem. Me sinto uma menina boba por pensar na possibilidade de... Não. Nunca. Não sou desse tipo.
Ele não é para você. Nunca será. Lembre-se de quem Maven é.
Consigo identificar a porta do meu quarto. O ar se liberta de meus pulmões quando nos aproximamos. Nunca fiquei tão feliz por ver uma peça de madeira. Pelo menos ficarei a noite inteira sem olhar para a cara de Maven.
A porta se abre de repente; as minhas três criadas saem juntas. Mas uma em especial chama a minha atenção. Ela não usa o mesmo uniforme que as outras, de modo que tenho que lutar para identificá-la.
As quatro param de andar ao nos verem. Me corpo congela também, empacando completamente no lugar. Fico confusa mas, ao mesmo tempo, feliz por vê-la depois de tantos dias de solidão. Mare me encara de volta. Parece me reconhecer. Não Raven Calore, a princesa ardente. Mas Ravenna Sylvester, a primeira criada que falou com ela. A primeira dentre muitos vermelhos que teve a coragem de quase gritar palavras de ódio na cara de muitos prateados.
Seguro o sorriso que ameaça aparecer.
— Aqui estamos — Maven fala, quebrando o silêncio. — Tenha um bom dia, Rae.
Estremeço com o apelido, principalmente com o beijo estalado sobre minha mão. Ele acena para as criadas, que respondem com uma curta reverência muito bem feita. Só Mare que saiu um pouco do compasso. O príncipe nos dá as costas, sumindo pelo corredor longo.
Aceno para as criadas, um sinal. Elas me reverenciam e saem da minha presença. Já com o coração na mão, penso que Mare sairá também. Ela não pode sair. Não agora que, enfim, encontrei um rosto familiar. Porém, para a minha sorte, ela fica parada no lugar.
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A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]
FanficE se a vermelha que caísse na arena da Prova Real não fosse Mare Barrow, mas sim uma outra sanguenova tão forte e poderosa quanto? Uma garota com poderes de ardente que é capaz de criar as suas próprias chamas? Essa é a história de Ravenna Sylvester...