único: Que a lua guarde nossos segredos

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Sua cabeça estava abaixada, os cabelos escuros naquela noite estranha escondiam as feições delicadas de seu rosto. Seus passos eram lentos, e ele não olhou para trás uma vez sequer enquanto se distanciava do mausoléu. Ambas as mãos seguravam firme aquele chapéu ensanguentado, e ele suspirava forte enquanto olhava para ele, solitário naquela multidão de pessoas que retornavam para casa depois de, enfim, derrotar o grande vilão.

Mas não importava como visse aquela cena, Jiang Cheng não conseguia aceitar que HuaiSang não estava estranho. Então ele o seguiu encarando seus movimentos e discretamente se distanciando, fingindo que seguia para seu caminho e não estava secretamente preocupado.

A princípio, quando tentou desvendar o que se passava na mente do Nie, ele tivera algumas ideias. Talvez ele estivesse quebrado por ter visto o irmão depois de tantos anos, mas deixá-lo para trás era ainda mais torturante do que aqueles anos que passara sozinho. Talvez ele pensasse, enquanto olhava para o chapéu de Jin GuangYao, que aquilo não era suficiente, e que o mundo era injusto. Talvez ele considerasse o quanto era fraco em meio àquele bando louco de cultivadores.

Mas todas as suposições morreram quando, enfim, HuaiSang parou em seu caminho.

Cheng, escondido nos arbustos da floresta, assistiu-o em silêncio. Ele viu com clareza quando HuaiSang girou em seus calcanhares, ficando mais uma vez de frente para a entrada do mausoléu — e ele riu.

Os dedos finos fecharam-se fortes no chapéu em sua mão, como se dominados pela raiva, e uma gargalhada baixa escapava sem parar de sua garganta. Quando acabou sua graça, aquela voz tão bonita que costumava cantar as mais belas palavras parecia fria demais.

— Espero que aproveite o lugar para onde vai — ele cuspiu as palavras, e tornou a seguir seu caminho para longe.

Mas, por um breve segundo, seus olhares se cruzaram, e Jiang Cheng viu. Ele viu aqueles olhos tão frios, sérios, cruéis! Aqueles belos orbes âmbar que costumavam ter o brilho infantil de uma criança agora estavam mortos, maldosos.

Cheng não pôde evitar sair de seu esconderijo, e não percebeu a velocidade de seus passos até que estivesse segurando a manga do robe alheio. Ele sentiu um arrepio subir em sua espinha ao ser encarado com tanto descaso.

Agora que estavam perto um do outro, Cheng podia ver muito mais detalhe. Ele podia ver o quanto aquele rosto tão suave parecia rígido, ou como suas sobrancelhas estavam franzidas. Havia um toque de deboche em seus lábios e no modo como os olhos o analisavam. Aquele não era o mesmo HuaiSang que ele conhecia, não era o seu HuaiSang.

— O que quer? — HuaiSang falou, despejando desprezo. — Veio acabar comigo agora que Wei WuXian disse que sou o verdadeiro vilão da história?

Ele recolheu o braço que Cheng segurava e abriu o leque que carregava consigo. Jiang Cheng não podia ver, mas ele sabia que havia um sorriso por trás daquela barreira; há muito ele havia memorizado o modo como os seus olhos se apertavam quando ele sorria.

— HuaiSang, o que aconteceu com você?

O Nie inclinou um pouco a cabeça, agora parecendo confuso.

— O que está querendo dizer com isso, A-Cheng? — perguntou, mas tudo parecia falso. Cada movimento parecia encenado, forçado até. — Acha que mudei em algo? Não vai dizer que, depois de todos esses anos, se surpreende por eu não ser mais o garotinho tolo que costumava ser, vai?

Jiang Cheng o olhava em todos os seus mínimos gestos. Ele o escutava, cada sílaba pronunciada. Mas ele não conseguia processar nada do que acontecia ali, como se tudo não passasse de uma ilusão cruel de sua mente. Ele só queria afastar aquela névoa enganosa.

Segundo Diálogo: Minta Para MimOnde histórias criam vida. Descubra agora