Capítulo 16: Montanha-russa

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A expectativa era de que os dias se passassem de maneira vagarosa, mas após adquirir uma certa rotina, a verdade era que passavam de forma mais acelerada do que o normal, o que era ainda mais desesperador. Em uma mesma casa, observavam-se dois casos bem diferentes: Harry, que era extremamente produtivo e continuava a todo vapor a escrever o livro que idealizou, progredindo em suas metas a cada dia, e Sam, que sentia como se esses dias fossem um martírio e arrancassem toda a sua energia, passando a maior parte do tempo ocioso e sentindo-se culpado por isso, mas sem disposição para mudar essa situação.

Harry e Sam trocaram muitas vivências ao longo desses dias, oferecendo suporte um ao outro nos momentos difíceis de medo, insegurança e ansiedade. Era uma tarde de sábado como qualquer outra, afinal não fazia mais diferença ser fim de semana ou não, uma vez que estavam presos em casa nos 7 dias da semana. Harry estava quase finalizando seu manuscrito e fazia uma pausa para descansar deitado no colo de Sam, que montava um cubo mágico no sofá da sala de estar, enquanto a televisão ligada em um programa de auditório qualquer preenchia o silêncio do ambiente. Subitamente, essa paz esvaiu-se com um murmúrio alto de vozes desconhecidas no corredor. Harry foi até a porta, segurando o pote vazio de sorvete de chocolate que ainda há pouco devorava, e o que viu pelo olho mágico mudou seu humor no mesmo instante. Seu rosto inexpressivo assumiu um tom soturno, suas sobrancelhas arquearam-se revelando o desespero que se instalara em seu coração.

-Sam, você precisa ver isso!

Sam, intrigado, caminhou em direção à porta, que foi aberta por Harry logo em seguida. Sam, usando apenas uma calça jeans de cor clara e de peito desnudo, aproximou-se por trás de Harry, cheirando o seu cabelo e beijando seu couro cabeludo sem ter que abaixar a cabeça para isso, visto que seu tamanho era ligeiramente maior que o de Harry que, vestindo um casaco de moletom azul escuro com listras pretas oversized, que cobria a boxer preta que usava, única coisa cobrindo-o da cintura para baixo além das meias cano alto de um amarelo vivo nos pés, sem calças e com as coxas brancas, lisas e carnudas à mostra, apontou a cabeça para o corredor.

Uma equipe de paramédicos mobilizou todos os vizinhos, que assistiam a cena das portas de suas casas. Na maca, carregavam Rose, imóvel, e um dos paramédicos tranquilizava os vizinhos alvoroçados, dizendo que fariam de tudo para salvá-la, mas que tinha sido diagnosticada com deficiência pulmonar causada pelo vírus que assombrava o mundo todo, e que todos que tiveram contato com ela deveriam ser testados para a confirmação de seus estados de saúde.

Harry arregalou os olhos e virou-se para Sam, com as mãos cobrindo a boca. Sam abraçou-o e disse que ia ficar tudo bem. Dois dos paramédicos levaram Rose para a ambulância estacionada na frente do prédio enquanto os outros dois, um homem alvo, loiro e de olhos azuis de no máximo 30 anos e uma mulher negra de cabelo trançado e piercing no nariz, realizavam os testes de contaminação pelo vírus em todos os moradores do complexo residencial. Sam e Harry já tinham sido testados e aguardavam pelo resultado na cozinha, enquanto tomavam duas grandes xícaras de café. O dia estava nublado e as primeiras gotas de chuva começavam a cair, se chocando contra o vidro da varanda enquanto a cortina esvoaçava com a forte ventania. Harry correu para fechar as portas e janelas, e quando voltou à cozinha Sam estava apoiado sobre a pia, com a cabeça baixa sobre a louça que tinha acabado de lavar. As tarefas domésticas tinham sido compartilhadas durante todo o tempo de quarentena, mas Sam fazia questão de fazer mais do que Harry para compensar o fato de estar hospedado em sua casa há mais de um mês e possibilitar que o namorado tivesse mais tempo para se concentrar na escrita de seu livro.

Harry colocou suas mãos nos ombros de Sam e começou a massageá-los, e Sam começou a disparar as palavras aos poucos:

-Esses dias têm sido uma montanha russa de emoções, não é?

-Nem me fale. E como se não bastasse, agora isso... Eu espero que não estejamos contaminados. - Disse Harry.

Uma batida na porta chamou a atenção dos dois. Harry correu para abrir e deu de cara com o paramédico loiro na porta.

-Sr. Harry? O senhor está limpo.

Harry respirou aliviado.

-Não comemore antes da hora. Sr. Sam?

Sam saiu da cozinha e caminhou lentamente até a porta.

-Por favor não se aproxime muito - Disse o paramédico, fazendo um gesto com a palma da mão direita. - O senhor testou positivo.

Harry ficou boquiaberto e seus olhos se encheram. Sam foi até o quarto pra pegar sua máscara enquanto Harry virou-se para o paramédico, em desespero:

-Você tem certeza? Deve haver algum engano. Nós convivemos juntos esse tempo todo, como ele pode ter testado positivo e eu não? Não entendo.

-Nós vamos levá-lo ao hospital e repetir o teste para ter certeza, porque essa situação é realmente muito estranha. Mas fique tranquilo, de acordo com a ficha dele, ele não faz parte de nenhum grupo de risco, então deve ficar tudo bem. Em todo caso, é melhor vocês não ficarem muito próximos. Ele tem outro lugar para ficar?

-Sim. - Respondeu Sam, entrando na sala, já de máscara. - Não se preocupe, amor - Disse, dirigindo-se à Harry, mantendo certa distância. - Vai ficar tudo bem.

Sam saiu pela porta e foi encaminhado ao hospital, junto com outras pessoas que tiveram contato com Rose e que testaram positivo para a doença. Harry sentiu um aperto no peito e, apesar de sua forte convicção de que Sam ficaria bem, desabou em lágrimas e sentou-se no chão, de costas para a porta fechada, correu para o quarto, deitou na cama, se enrolou em um edredom e chorou até adormecer.

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