Por que não te amas?

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Na vida, imaginei como seria a morte e na morte, imagino como estará a vida. Quem diria que essa alma corrompida largaria seu imundo corpo e vagaria aos lençóis da Terra em busca de companhia. 

De todos os lençóis da Terra, as florestas são os que mais me cativam, mas minha imunda alma poderá apenas contemplá-las enquanto o sol não me expulsa da companhia de suas mais belas filhas, aquelas que se alimentam de sua luz no mais belo lençol da Terra, a floresta.

Quem dera eu tivesse nascido como uma das proles dessa estrela. Cativaria todos os dias o belo corpo que alimentaria-se de sua luz, oh seria um belo e majestoso corpo.

Oh interessante... também a vê "aquele que me ouve"? Uma linda e corrompida raposa caminhando ordinariamente no mais lindo lençol da Terra. Ela parece intrigada e aborrecida, anda para lá e para cá como se estivesse tomando coragem para falar com minha imunda alma.

Ah, ela está vindo em minha direção "aquele que me ouve", não é excitante? Com uma bela alma corrompida, ela caminha ansiando pela minha atenção. Oh doce raposa, quem dera minha imunda alma pudesse cativá-la.

- Por que caminhas em minha floresta pequena coisa? Nunca ví sua deliciosa e imunda alma vagar por aqui antes. Eu a devoraria, se não fosse tão corrompida e sórdida pelos maus pensamentos que te seguiram durante a vida.

- Então tu também falas raposa? Estava à procura de uma companhia e agora tenho a ti, tu não consegues devorar-me, mas pode comigo contemplar a floresta até que o Sol nos expulse para alimentar suas crias.

- Por que contemplas a floresta essa noite pequena coisa?

- Porque invejo o corpo que as árvores e todas as filhas do Sol mostram para seduzir a lua.

-  Então o que te corrompe e deixa intragável sua suculenta alma é a inveja. Por que as inveja e não somente as contempla?

- Por que meu único corpo não se compararia à elas, meu imundo corpo nunca poderia. Passei muitos Sol's desde o meu primeiro moldando meu corpo para que fosse tão belo quanto ao de qualquer outro, mas meu imundo corpo, tão egoísta e mesquinho, expulsou minha alma para viver sozinho, em um caixote de madeira bem a baixo de onde crescem as árvores, sem nunca ser tão belo. Maldito egoísta e mesquinho imundo corpo.  

- Pequena coisa, tu es tão intrigante e estúpida, não consegues ver o quão certo ele estava? Pois sim é belo. Tu o magoaste e machucaste somente para fazé-lo algo que ele já é. Teu corpo é precioso e insubstituível. Para a tua espécie e a minha, tudo gira em torno dele. Quando tu nasces, teu corpo surge antes mesmo da tua alma. Da cativação de outros corpos, ele cria-se e ama-te. Ora, não percebestes pequena coisa? Que agora que se foi tua suja e suculenta alma que fizestes apodrecer, teu doce corpo permaneceu para fazer-te um favor e em teu lugar despedir-se daqueles que te cativam? Corpos criam, surgem, contemplam e se despedem e mesmo assim não o acha belo? Maldita seja a tua espécie, que não aprecia o que com tanto poder lhe é dado.   

- Por que me julgas maldita raposa? Se é tão belo o corpo que nos é dado, onde está o teu?

- O meu corpo foi apanhado, furtado, escorchado, larapiado para enfeitar o corpo da tua espécie. Entre o tronco e a cabeça de uma jovem senhorinha ele permanece insultado, infundido, desonrado até que não seja mais necessário, e por esse, e somente por esse motivo, ele foi de mim tirado. Não pude proteger meu corpo e nem amá-lo o bastante, mas tu poderias. Maldita seja tua espécie, pequena coisa e a "daquele que te ouve", malditos sejam os dois, por não apreciarem o que lhe com tato poder foi dado e de mim com tanta avareza foi retirado. 

- Choro com tua perda raposinha, se eu ainda tivesse meu corpo, alguma coisa faria...

- Mas tu não o tens,  por que o jogou fora por não achar tão belo. Devoraria tua imunda alma pela raiva, mas de tão suja a regurgitaria. Mas, para tua sorte, essa corrompida alma está a se tornar mais limpa com as minhas palavras, talvez seja por repensar tuas ações que a está fazendo mais bela. ah uma pena, pequena coisa, pois se tivesse teu corpo agora, poderias ter muitas coisas belas, mas agora só tens uma, que sequer é tão cativável quanto teu corpo era, mas não se preocupe, que quando se tornares a mais bela árvore a crescer da terra onde teu doce corpo descansa, devorarei tua alma para que possa mais uma vez nascer sem os teus pecados e com outro mais belo corpo e para também que possa proteger-me e à minha espécie trazendo mais preciosas almas. Esse é o preço e o nosso acordo, por fazer-te olhar para dentro de si e enxergar a tua beleza. 

- Nunca pensei que faria tal perigoso acordo com uma raposa, todos me dizem o quão traiçoeiras são, mas esse é outro ensinamento que me destes. Mas antes de começar a devorar-me, diga-me raposa, como tu disseste com tanta convicção da beleza de meu corpo, se ele descansa arrependido e tudo que consegues ver é minha alma?

- Acho que tu nada aprendestes pequena coisa.

- Mas, se tu o visse, notaria o quão distante é da beleza das árvores, que me humilha com arranhões a toda parte...

- Humilha-te? As árvores também os possuem, como troféus, para mostrar que delas muitos animais dependeram e que por muitos confrontos sobreviveram. 

- Mas meu corpo é maior do que todos os outros e mais desproporcional que qualquer árvore...

-  Nem mesmo na menor e mais bela floresta todas as árvores são iguais, a beleza da maior nunca será comparada à da menor, por que diferentes são os encantos que possuem.

- Raposa, digo-te que talvez não entenda todo o teu pensamento nessa noite, mas sei também que não necessito. Levarei o tempo que para mim é dado para entender a beleza de meu antigo corpo e quando isso acontecer, minha alma será tão pura e calma que só terá prazer ao devorá-la. 

- Esperarei esfomeada, pequena coisa, e diga a "aquele que te ouve" que se não amar teu próprio corpo, também o ensinarei a fazé-lo quando o Sol deixar o dia, mas é claro, por um preço...

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⏰ Última atualização: Jun 24, 2021 ⏰

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