[Alerta de Gatilhos: bulimia, ansiedade, homofobia, pensamentos intrusivos]
Abri os olhos lentamente. A única fresta de luz que passava pela cortina vinha diretamente em direção ao meu rosto, o que fazia meus olhos doerem com a claridade. Levantei e me olhei no espelho em frente à minha cama. Minhas clavículas estavam mais saltadas que o normal, e um chupão em meu peito do lado esquerdo se exibia em contraste com minha pele pálida.
Procurei por meu pijama pelo quarto, encontrando-o debaixo de minha cama junto com um sutiã que não era meu e uma garrafa vazia de uísque barato. Coloquei minha roupa e saí do quarto devagar, mas tive meu despertar anunciado pelo ranger indiscreto da porta, que gritou pela casa que eu havia me levantado e estava saindo da toca.— Bom dia Louie! — Ouvi a voz da minha mãe vinda da cozinha — Eu e sua amiga achávamos que você não iria levantar nunca mais!
Meus olhos se arregalaram. Minha amiga?! Quem era minha amiga?
Tentei puxar algo do fundo das minhas memórias falhadas sobre a noite anterior, mas o uísque tinha de forte o que tinha de barato, o que me atrapalhava e me impedia de lembrar de qualquer coisa que não os seios dela balançando enquanto ela se exibia para mim.
Eram belos seios.— Louie? — Minha mãe me chamou preocupada. Notei que ainda não havia respondido seu bom dia — Está tudo bem? Estamos te esperando pro café.
Resmunguei um "sim, estou bem" e fui em direção ao banheiro. Fiz meu xixi e minha pesagem rotineira, escovei meus dentes e tentei limpar o resto de maquiagem que borrava meus olhos. Eu ainda estava tentando lembrar da minha amiga. Me olhava no espelho me forçando a lembrar.
— Vamos lá, não deve ser possível que eu não tenha olhado pra ela nenhuma vez enquanto ela se exibia — Eu resmungava — De onde ela é? Quem é ela?
Meus pensamentos foram interrompidos por batidas na porta.
— Louie, se você morreu aí dentro por favor abra a porta em forma de fantasma mesmo. Eu preciso mijar — Gabriel, meu irmão, me chamou. Consegui sentir o sufoco dele segurando seu xixi em sua voz.
Abri a porta e o encarei. Ele me olhou desconfiado e sorriu.
— Mais uma vez você não lembra quem é a garota, Louie? — Ele entrou no banheiro e me empurrou com delicadeza para fora — Abigail. O nome dela é Abigail. Ela é sua colega da aula de teatro e vocês estavam ensaiando noite passada. Sua sorte é que mamãe toma remédios para dormir, mas eu se fosse você tentaria amordaçar ela da próxima vez.
— Você... Conseguiu ouvir?
— Os sons eram abafados, mas sim, eu consegui sim — Ele começou a fechar a porta — Agora se você me permite.
Saí em direção ao corredor e ouvi a porta bater atrás de mim. Respirei fundo e tentei me preparar para o que viria. Andei em passos curtos e demorados para a cozinha, onde avistei Abigail com seus longos cabelos dourados sentada de costas para mim e conversando animada com minha mãe.
—Vocês são adoráveis! — Minha mãe parecia entusiasmada — E você parece ser uma amiga incrível!
— Na verdade, eu e Louise somos um pouco mais do que amigas... — Percebi que Abigail falaria mais do que devia, então apressei meus passos em direção ao balcão interrompendo-a.
— Grande dia, mamãe! Ganhei meio quilo! — Tentei parecer feliz.
— Louie! Que orgulho! — Minha mãe deu a volta no balcão e me abraçou apertado. Pude sentir o orgulho dela naquele gesto. Abigail me olhou confusa e eu a repreendi com o olhar.
Já haviam alguns anos que eu lutava contra a bulimia, e cada pequeno ganho era motivo para uma enorme festa. Minha família adorava receber as notícias, mesmo que elas fossem mentira.
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Espíritos Rebeldes.
General FictionTentando manter a rotina entre estudos e festas, nove jovens deslocados socialmente vivem os dilemas mais profundos e as confusões mais estranhas enquanto procuram seus lugares no mundo. Será a amizade deles suficientemente forte para passar pelos o...