Ninguém em Casa.

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    Ninguém estava em casa e as cortinas estavam fechadas. Momentos assim sempre são os mais perfeitos.
Rian tem 19 anos e acabou de entrar em sua tão sonhada faculdade de Artes Plásticas, desenha desde criança e nunca pensou em estudar outra coisa. Porém, esconde vários segredos como, por exemplo, nunca contou para sua mãe sobre sua homossexualidade, muito menos que é apaixonado por brincos, vestidos luxuosos, e que seu maior sonho é se transformar em uma Drag Queen de sucesso -  até já se montava sozinho em casa. Em épocas de provas, fez uma promessa: Caso passasse no vestibular, pintaria o cabelo de rosa e assim o fez quando passou. A cor se tornou uma pequena forma de mostrar ao mundo que gostaria de ir contra algumas regras que a sociedade impõe, e de que deixaria sua timidez para trás e para se colocar mais no mundo, mesmo ciente de que isso não aconteceria de um dia para o outro.
  Era uma quinta-feira e o rapaz estava performando em seu quarto. Ele não era muito bom em se maquiar, porém sabia escolher muito bem as peças de roupa e os sapatos.
Assim como qualquer ser humano, a cabeça de Rian é controlada por seus sentimentos e, assim que seu amor pelo universo Drag foi aumentando, eles tomaram a forma de pequenas Drag Queens: Felizonah, Nojinhah, Furiosah, Chateadah e Medah.

  Felizonah é uma Drag alta, bem escandalosa, sempre com o sorriso no rosto. Nojinhah dá poucos sorrisos. É extremamente patricinha e sempre consegue achar defeitos em alguma coisa. Furiosah vive vermelha de ódio, não tem paciência com ninguém e só modera seu temperamento com algum cigarro. Chateadah é extremamente sensível e qualquer coisa a deixa para baixo. Medah sempre esta linda, com a maquiagem perfeita; vivia seguindo os padrões para que nada acontecesse fora do planejado.

  Elas passam noite e dia na cabeça do garoto, de salto alto e maquiagem, e o ajudam a entender quem ele realmente é. O material de trabalho delas é um controle que permite oferecer suas sensações para o menino, enquanto assistem tudo através de um telão. É claro que o momento favorito de todas é quando ele dança.
Felizonah: Vai lá, mana. Arrasa!
Nojinhah: Credo, essa gay ainda não aprendeu a passar o rímel direito! Isso é um crime! Ainda bem que ela não aparece em público.
Medah: A mãe dele pode chegar do trabalho a qualquer momento gente, precisamos estar atentas!
Furiosah: O bom é que ela já vê logo!     E acaba essa palhaçada de “Ai, meu deus eu não faço ideia que meu filho é gay”. Ah vá pra puta que pariu!
Chateadah: O coração da mãe dele vai se despedaçar, e ele sofrerá com a rejeição. Isso será tão triste!
Assim que o garoto fez a pose final de sua dança, uma mensagem chegou ao celular. Era de Carlos, um rapaz que já estava há semanas chamando Rian para sair. Os dois haviam começado a conversar através de um aplicativo. A mensagem dizia:
— Vamos nos ver hoje?
Medah: Ai, meu deus, é o garoto...
Felizonah: Bora manas?
Nojinhah: Já está na hora do nosso garoto beijar um boy, né, gente?
Chateadah: Esse rapaz não vai gostar do Rian quando vê-lo pessoalmente.
Felizonah: Por que?
Chateadah: Afeminado demais.  Garotos como o Carlos não querem nada com gays afeminados.  Já me sinto triste! Rejeição é horrível.
Felizonah: Ah, pode parar. Energia positiva gente! É o primeiro date da vida dele! Ele vai, sim!
  No momento em que Rian respondeu “Sim” ao convite, Medah pegou o controle e tomou conta da situação:
Medah: Vai correndo tirar toda essa maquiagem, o menino não pode sonhar que você se monta em casa!
  O garoto foi até o banheiro para tomar banho, e passou lenço umedecido e sabão no rosto para tentar tirar qualquer resquício de maquiagem.
Felizonah:  Medah, vai com calma! O menino não precisa entrar em pânico desse jeito.
Nojinhahh: Precisa sim! Essa maquiagem é péssima. Espero que o tempo o faça entender que maquiagem boa é maquiagem cara! Não pode ter medo de gastar.
Medah: Ele precisa se enquadrar, gente... Não adianta! Ser gay já é difícil e se ele aparecer maquiado correrá o risco de ser humilhado, virar piada. Não dá para deixar as coisas serem piores do que já são!
Furiosah: Esse moleque precisa aprender a tacar o foda-se!
Felizonah: Eu não quero que nosso menino seja essa pessoa que tem medo de ser quem realmente é!
Medah: Ele ainda é jovem e eu irei protegê-lo!
  Rian se arrumou e, antes de sair, olhou para o espelho varias vezes, tentando encontrar algum resquício de maquiagem. Bem nesse momento sua mãe chegou em casa:
— Oi filho, cheguei mais cedo.
— Oi Mãe, tudo bem?
Ela reparou que ele estava muito bem arrumado:
— Nossa, que lindo que você está! Vai sair?
— Sim! Vou dar uma volta no shopping, lá na Avenida Paulista.
— Com quem?
— É... — Ele não consegue disfarçar sua insegurança. — Com uma amiga da faculdade.
— Ah, certo! — Ela sentiu, pelo jeito de sua fala, que o filho estava escondendo algo. — Está bem! Você precisa de dinheiro?
— Eu recebi daquele freela que eu fiz! Não precisa, obrigado. Bom, já vou indo, tá?
— Filho, espera... Preciso te perguntar: tem alguma coisa que você queira me contar?
Nesse momento, Medah apertou o controle com todas as suas forças.
— Não — disse Rian, começando a suar frio. — Não tem nada que eu queria contar. Eu vou indo, está bem?
— Está bem, meu amor! Cuide-se.
  Quando o menino saiu de casa, sua mãe ficou parada olhando para a porta durante alguns segundos. Ela sentia que ele estava indo para um encontro.

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