Eu estava atônito. Essa era a palavra para como me senti quando vi aquela criatura exageradamente linda atravessar até mim. Primeiro fiquei admirado com a ousadia, mas depois fiquei preocupado com o fato de levá-la para o outro lado da cidade, sem chamar a atenção de Deus e o mundo.
-Miguel? _Ela chamou, se esforçando para ter minha atenção.
-Catarina, eu disse que íamos a um barzinho não para o São Paulo Fashion Week! _Consegui dizer.
-É oficial, eu posso confiar em você! _Ela disse. -Como alguém que conhece o maior evento de moda da América Latina pode não ser confiável?!
-Tanto faz, mas eu realmente gostaria que não estivesse com essas sandálias pelo menos, nem todos os bairros tem ruas tão bem asfaltadas como essa.
-Eu ando de salto alto desde os 12 anos meu querido, não se preocupa que eu sou experiente. _Falou, olhando a rua e depois o celular.
-Maldita hora em que concordei com isso... _Murmurei. -Podemos ir?
-Espera, eu chamei um táxi.
-Você o quê?
-Antes que você me arrastasse para um ponto de ônibus ou me colocasse sentada na barra da sua bicicleta, eu tomei a liberdade de chamar um táxi.
-Você é inacreditável! _Falei, bufando. -Achei que queria conhecer o mundo fora do "castelo" da princesa.
-Eu quero, mas também não exagera, transporte público é demais pra mim! _Falou, acenando para um carro que se aproximava.
Fomos o caminho todo com ela falando sobre como estava irritada com o tal do Félix, tio dela, e a madrasta, eu tentei prestar atenção em tudo o que ela falava, mas era um pouco difícil quando todos os meus sentidos ainda estavam atordoados com sua presença inebriante.
Quando me dei conta estávamos em frente ao bar, e ela já estava saindo do carro e pagando o táxi.
-Depois eu te pago a minha parte. _Disse, enquanto ajudava ela a se manter de pé na calçada esburacada.
-Não precisa, eu praticamente te obriguei a entrar no carro... mas me fala, vou precisar mostrar a minha identidade falsa na entrada? _Perguntou, enquanto seguiamos até a porta do local.
-As pessoas aqui não estão nem aí pra idade que você tem, com tanto que beba cerveja, o que você não vai fazer, ah, e seja apreciadora de sinuca.
-Acho que dou conta! _Disse, já passando a minha frente e entrando.
O local era basicamente um galpão, tinha a bancada de bebidas, umas mesas de madeira já ocupadas por jovens e alguns homens bêbados e nos fundos tinham três mesas de sinuca. Observei quando algumas pessoas ali encararam Catarina, alguns caras a olharam de um modo que eu definitivamente não gostei, mas ela pareceu nem notar, estava observando o lugar com uma cara engraçada.
-Quer que eu chame seu táxi de volta? _Perguntei, me aproximando e falando perto do ouvido dela.
-O quê? claro que não... eu admito que é pior do que eu pensava, mas eu adoro um desafio. _Falou, piscando pra mim.
Ela precisava parar de fazer aquilo, aquele simples gesto me causava reações que eu desconhecia e não sabia se deveria sentir.
-Miguel! _Ouvi alguém chamar meu nome.
Léo estava no bar e acenava para mim. Ao passo que eu e Catarina nos aproximávamos, notei a olhada que ele deu nela e em seguida para mim, com um ponto de interrogação imenso no rosto.
-E aí, cara, beleza?
-Beleza... pensei que não fosse vir.
-Eu tive um pequeno contratempo. _Murmurei, e ouvi Catarina bufar atrás de mim. -Léo, essa é a amiga que eu avisei que ia trazer, Catarina.
-Achei que tivesse sequestrado ela em algum bairro nobre da cidade. _Brincou ele, a cumprimentando com dois beijos no rosto. -É um prazer.
-O prazer é meu.
-E então já pediu nossas bebidas? _Perguntei.
Léo levantou dos copos de cerveja e bateu com eles de leve na mesa.
-Eu vou pedir um suco, já volto. _Catarina disse, indo até o outro lado do balcão.
-Miguel, pelo amor de Deus você pode me explicar de onde tirou essa beldade?
-Ela é só uma amiga.
-Essa garota está em um outdoor bem no centro da cidade!
-Está? _Indaguei.
-Tu tá pegando uma sub celebridade e nem me conta, meu rapaz?!
-Eu não estou pegando ela! _Esclareci, observando Catarina se aproximar.
-As coisas aqui são bem baratinhas né? um suco desse lá em Jardim Blumenau custa tipo uns quinze reais! _Falou, se sentando do meu lado. -E então, do que falavam?
-Sobre como se afastar do trabalho fez bem para o Miguel, com certeza aqui pelo bairro ele não ia ter encontrado você. _Léo disse, rindo e dando um gole na cerveja.
-Obrigada, vou levar como um elogio... mas me conta, vocês dois trabalham juntos há muito tempo?
-Sim, já faz uns 5 anos que conheço esse aí, ele entrou no clube atrás de emprego e começou limpando as piscinas, eu era o zelador das quadras, ficamos amigos na área de serviços. _Falou Léo.
-E como ele passou de zelador a treinador? _Perguntou ela, interessada em saber mais. -Sabe o que é, Miguel é um baú trancado a sete chaves, não sei nada sobre ele.
-O espertinho observava todas as aulas de natação e ficava todo dia depois do expediente treinando o que aprendeu, ficou tão bom que quando o treinador se aposentou pediu que ele ficasse no lugar dele.
-Tá vendo Miguel, tem tanta coisa que eu não sei sobre você! _Disse, me dando um tapa no joelho.
-Mas ultimamente nem comigo ele tem compartilhado as novidades, desde que recebeu outra proposta de em...
-Podíamos jogar sinuca! _Falei, interrompendo rapidamente a fala dele.
Logo Catarina começaria a questionar qual era o meu outro emprego, e eu odiaria ter que inventar mais uma mentira. Para minha sorte ambos concordaram animadamente com a ideia, então fomos para as mesas de sinuca.
Precisamos de quase uma hora de treinamento para que Catarina conseguisse acertar o taco em uma bolinha sem quase cegar alguém, mas depois que ela pegou o jeito não quis mais parar de jogar. Estava encostado na mesa observando ela jogar com as outras pessoas, e notei em como ela distoava do ambiente, mas ainda assim sabia se envolver perfeitamente bem, estava até animada demais, diria que estava levemente bêbada se eu mesmo não tivesse visto que ela tinha bebido apenas suco. Como se pudesse ler meus pensamentos, o olhar dela vagou até mim e senti como se um misto de emoções acontecessem naquele breve momento. E como se eu já não estivesse confuso o bastante apenas com um olhar, ela ainda teve a ousadia de sorrir. Eu estava encrencado. Não podia me apaixonar por Catarina Aires, essa era a última coisa que deveria acontecer. Antes que eu pudesse me recompor, ela entregou o taco para Léo e veio em minha direção.
-Está aí caladão, observador... Não quer mais jogar? _Perguntou.
-Cansei de ganhar de você.
Vi quando ela riu e fez uma careta.
-E o que tanto pensava? _Indagou, se aproximando rapidamente e depois se afastando de novo, mas aquele movimento foi suficiente para que eu sentisse um leve cheiro de álcool em seu hálito.
-Você bebeu? _Questionei, ignorando a pergunta dela.
Ela ficou pensativa por alguns segundos, e então sorriu.
-Um pouquinho, mas foi só isso aqui! _Disse, fazendo um gesto com o polegar e o indicador.
-Que droga, Catarina, você prometeu que não ia beber! e como fez isso sem que eu visse?
-Quando você foi no banheiro um dos caras me pagou uma caipirinha. _Falou, dando de ombros. -E você não é o meu pai!
-Não sou mesmo, nem quero ser, mas eu sou o responsável aqui, e gosto de seguir as leis!
-Que se danem as leis! _Rebateu, fazendo um sinal de desdém com a mão. -Não respondeu a minha pergunta, estava pensando no que?
Ela era insuportavelmente insistente.
-Só estava admirado em como você parecia a vontade ali com as outras pessoas... não pensei que fosse gostar daqui, não tem nada a ver com você que frequenta os melhores bares e boates de Blumenau.
-Para ser sincera eu estou me divertindo como não fazia há tempos... eu sei que você pensa que eu tenho a vida perfeita, zero problemas, que tenho tudo... mas não, não é bem isso que eu sinto. _Ela falou, se enrolando um pouco com as palavras por conta do álcool.
-Então como você se sente? _Quis saber.
Ela fez uma expressão surpresa.
-Ninguém nunca me perguntou isso... só quando eu peguei catapora aos 12 anos de idade. _Disse, e depois deu um breve sorriso cansado.
Ouvir aquilo me fez querer abraçá-la, no fim das contas, eu não tinha muitos amigos, nem uma família grande, mas tinha um pai que ligava uma vez por ano, uma mãe que mandava presentes de natal, e uma vó que me amava e estava sempre preocupada comigo, mas Catarina estava sempre rodeada de pessoas, mas parecia ainda se sentir sozinha. Definitivamente ela não tinha tudo.
-Estou perguntando agora, como se sente? _Era minha vez de insistir.
-Como se... eu nunca pudesse ter algo que eu queira de verdade. _Desabafou, inclinando a cabeça e me olhando.
-Como o que por exemplo?
-Uma mãe, cursar a faculdade de moda, uma coleção de roupas com o meu nome, você. _Assim que ouvi sua última palavra, meu coração descompassou.
Eu tinha ouvido mesmo aquilo? ela disse que me queria? espera Miguel, ela não está em seu juízo perfeito!
-Eu? _Indaguei.
-Droga, eu achei que essa última parte tinha ficado só na minha cabeça... _Ela murmurou, parecendo lutar contra o álcool que corria no sangue.
-Você... você está bêbada, é só isso.
-Na verdade, mesmo quando eu estava completamente sóbria ainda sentia o que estou sentindo nesse momento, acho que essa benção de álcool só me fez ter coragem pra exterali, não pera, externai...
-Externalizar. _Falei, a ajudando.
-Isso, externalizar o que sinto!
Eu não sabia o que dizer, ela de repente nem parecia tão bêbada assim, suas palavras eram coerentes, apesar da dificuldade com a palavra externalizar, e de eu também não ter certeza na parte em que ela dizia me querer.
-Tudo bem, eu vou... pedir um café, e assim que você tomar nós vamos embora.
-Espera! _Ela falou, me puxando pelo braço. -Você está chateado comigo?
-Claro que não, eu só quero que você recobre o juízo, me espera aqui.
Enquanto esperava o café, fiquei a observando de longe, eu não podia acreditar no que ela tinha me dito, ela estava bêbada, mesmo que pouco, ainda assim lhe faltava sobriedade. Voltei e ela bebeu todo o café, alguns minutos depois pedi um táxi e nos despedimos de Léo. Entramos no carro e fiquei aliviado pelo silêncio da viagem, aparentemente ambos estávamos confusos com os últimos acontecimentos.
Quando descemos do carro em frente a casa dela, Catarina mandava uma mensagem para Louise perguntando se Tina já tinha ido dormir, e pela hora já era de se esperar que sim.
-Ótimo, Louise disse que a barra está limpa, vou entrar pelos fundos e ser o mais sutil que eu conseguir.
Eu ri, tentando imaginar se Catarina sabia o que era sutileza.
-O que foi?
-É só que eu não consigo pensar em você sendo sutil em algum momento da sua vida!
Ela abriu um sorriso em concordância, que derreteu o meu coração.
-Eu vou indo... _Falou, depois de alguns segundos. -Obrigada pela noite mais suburbana da minha vida.
-Obrigado por ter me acompanhado, no final das contas foi melhor do que pensei que seria.
Ela sorriu mais uma vez, e então virou-se, caminhando até o portão. Enquanto eu a observava, ela parou, notei ela suspirar antes de se virar e voltar todo o trajeto até mim.
-Eu sinto muito por ter dito que queria você... eu não quero estragar a amizade que estamos construindo, eu só... não posso controlar a minha sinceridade quando bebo.
-Então aquilo que disse é real? _Indaguei, ouvindo meu coração batucar alto no peito.
-Tão real que eu poderia te beijar agora se você quisesse. _Disse, se aproximando e ficando tão perto que eu podia sentir o cheiro do seu perfume doce e cheiro de seu hálito que agora cheirava a cafeína.
Se eu quisesse?! eu sinto que quero isso desde o dia em que ela me emboscou no corredor do colégio, mas estava negando tanto, escondendo aquele desejo tão fundo que agora a mínima possibilidade entrou e trouxe a tona tudo.
Não pensei mais, mergulhei minha mão nos cabelos dela e aproximei nossos corpos, fazendo desaparecer o espaço que ainda nos separava. O mundo pareceu parar, eu senti mil coisas ao mesmo tempo, como se várias explosões ocorressem no meu estômago e meu corpo inteiro formigava. Por que nunca tinha sentido nada parecido quando beijei outras garotas? Será que além de tudo, Catarina ainda era feiticeira? eu não me surpreenderia.
Quando finalmente nos afastamos, nenhum dos dois disse nada por alguns minutos, apenas nos olhamos de perto, ouvindo nossas respirações desreguladas.
-Isso foi... intenso. _Sussurrei, cortando o silêncio.
-Completamente. Eu preciso de um calmante. _Ela falou apontando para a casa. -Nos vemos em breve?
-Com toda certeza. _Falei.
Ela abriu um sorriso lento, e me olhou por alguns segundos antes de se virar e seguir até o portão.
-Bico calado e amanhã eu te presenteio com aquela torta maravilhosa que a Tina faz. _Ouvi ela dizer ao porteiro, que acenou e fez um sinal de que não contaria nada
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Aquela jaqueta de couro
Storie d'amoreCatarina Aires mora em Blumenau desde que nasceu, é herdeira das empresas de sua família, escrava de uma posição que não quer ocupar e correndo um risco que desconhece, a jovem impetuosa será salva por um motoqueiro misterioso, o que ela não sabe é...