Parte 3

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Tide Springs não parava ao domingo, o dia mais importante para o comércio dos pescadores. Alguns já se encontravam nas docas a preparar o mercado. Entre os berros que ladravam ordens e o grasnar das gaivotas que voavam por cima das suas cabeças num céu coberto, a vila vibrava com vida.

Ada observou os homens que faziam o tipo de trabalho que já lhe era familiar. Quando era pequena, o pai costumava levá-la ao mercado enquanto ela o via a estripar os peixes e a limpar o chão à sua volta com a água do gelo derretido. Por entre os pescadores, Ada Reparou num homem e numa mulher desconhecidos.

Ela tinha a certeza que não eram da vila, pois conhecia quase toda a gente de vista.

O homem tinha uma pele dourada, geneticamente bronzeada, e o cabelo negro e espesso. Mas a mulher contrastava em tudo no seu parceiro. O seu cabelo era loiro e espevitado, e toda a sua aparência clara. Pareciam estar a discutir sobre algo. Não de forma agressiva, mas parecia que estavam a falar sobre algo com o qual não conseguiam chegar a um consenso.

Ada sentiu uma picada de ciúmes. Seria mau desejar ter alguém na sua vida com o qual pudesse ter uma conversa, ou mesmo uma discussão, que não envolvesse trabalhos de casa ou em quem Riley Bonferd cuspiu hoje na escola? A Tayee e o Nick eram os seus adultos, mas eles tinham-se um ao outro, por vezes não deixava de sentir que não precisavam dela.

– A bisbilhotice não fica bem vista nos olhos do nosso senhor, minha querida amiga.

– Paul! Assustaste-me. Estava distraída.

– Eu reparei.

Paul era o professor de catequese dos irmãos de Ada. Um rapaz com um coração do tamanho do mundo inteiro, mas com uma mente que não parecia atingir muito. Por vezes, Ada ponderava se ele não tinha ficado preso nos quinze anos para sempre. Depois ralhava consigo mesma por pensar mal de alguém que nada fizera a não ser mostrar bondade para com ela.

– Eles não parecem contentes – disse observando o mesmo casal. 

A rapariga percebeu que estávamos a olhar e bateu no braço do rapaz para lhe chamar à atenção. Tanto Ada como o Paul tentaram disfarçar, mas foram tarde demais, o rapaz ainda conseguiu apanhá-los a olhar para ele. Virou-se e começou a caminhar na direção oposta, a rapariga seguiu-lhe.

Paul começou-se a rir descontroladamente.

– Oh, isto foi constrangedor.

Ada encolheu os ombros e ignorei-o. Começou a andar de volta para a igreja.

– Que se passa? Ficaste chateada?

– Não. – Ada não lhe podia dizer o verdadeiro motivo pela qual estivera a observar o casal. Já desperdiçara imenso tempo a tentar convencê-lo que não tinha sentimentos românticos por ele. Se ele soubesse que tinha vontade de ter alguém com quem partilhar conversas íntimas poderia achar que era um convite para voltar a convidá-la para sair. Ela queria uma pessoa para se livrar de conversas infantis, não namorar o seu amigo infantil.

– Há algum problema? – Nick parou entre Ada e o Paul e olhou para ele com um olhar duro.

Completamente alheio à falta de decoro de Nick, Paul abanou a cabeça.

– É uma tragédia o que aconteceu com aquelas crianças, não é? – disse Paul. – Repararam que estavam muito menos famílias na missa hoje? Está tudo com medo de sair de casa.

– Pois é – disse Ada, observando os irmãos que brincavam dentro do perímetro da igreja sob o seu olhar diligente.

– Alguém faz ideia se a polícia tem algum suspeito? – perguntou Nick.

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