Noites assim me fazem quase acreditar em deuses. Algo como... deuses do sofrimento, da melancolia, de tudo que é nostálgico e tão triste e belamente retratado no vazio. Me fazem acreditar que todo sentimento tem tanto poder e fervor como um deus recém desperto, coberto em suas vestes longas e brancas feito leite, olhos tão fechados quanto abertos, sem nunca deixar de ver. Às vezes penso que eles possam viver em um lugar bem alto, mas não de forma divina, e sim como um lugar humano, transformado em algo poderoso demais para o ser. Como uma casa de madeira, dessas do interior, pousada bem no alto de um morro, cercada por nuvens douradas do pôr do sol. Uma metade de cada universo.
Eu quero acreditar em deuses assim, porque me proporcionam um consolo que não costumo ter em minhas próprias crenças. Se houver um deus para cada sentimento que me leva às lágrimas às duas da manhã, significa que não estou sozinha ou que estou do lado oposto do divino, tão bom e perfeito. Significa que não deixo de ser real e que meus sentimentos não deixam de ser importantes. Um elefante no cômodo que posso tentar acariciar sem medo de violar as regras. Eu nunca deixei de vê-lo ali, fingir que ele não existe nunca ajudou em nada. Eu sei seu nome, tão pesado quanto o próprio corpo.
A lua lá fora está escondida atrás de muitas nuvens, o silêncio ao meu redor parece gritar em meus ouvidos. Minha pulsação, hora forte, hora tão fraca, é instável quanto passos de bebê. Ela tropeça e cai muitas vezes, tantas vezes que em determinado ponto deixa de ser uma surpresa. Não sou uma mãe cuidadosa.
Há noites terríveis no mês, noites em que escuto as gargalhadas dos anjos e o coro dos demônios, às vezes os dois ao mesmo tempo. Noites tão ruins que fazem meus dedos sangrarem e minha garganta pegar fogo, amarrada em minha própria cama, sem conseguir sussurrar por ajuda. E nessas noites eu chego perto de rezar.
Noites assim não pesam tanto em meus ombros, apesar de meu coração cheio de água. Nada parece errado por ser do jeito que é – mesmo estando do avesso, ainda se trata da mesma coisa. Em noites assim, eu quase acredito em deuses. E quase me levanto para verificar os outros cômodos e conferir que outros animais os habitam.
Eu tenho quase certeza que no quarto ao lado fica um lobo, pois consigo ouvir os uivos daqui.
Quem sabe um dia eu descubra o seu nome também.
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O Nome do Elefante
Short Story"Se houver um deus para cada sentimento que me leva às lágrimas às duas da manhã, significa que não estou sozinha ou que estou do lado oposto do divino. Um elefante no cômodo que posso tentar acariciar sem medo de violar as regras."