Capítulo I - O Canto De Uma Criança Incerta

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   Olho o relógio de bolso: exatas 06:00h.
   É melhor eu ir me apressando, se não posso perder o trem.
   Lavo meu copo que tomei café com leite, chacoalho a toalha com migalhas de pão do lado de fora, para as galinhas ciscarem, limpo a mesa e pego meu caderno.

— Até mais, Papai! - Como sempre, em voz alta digo.

Mas ele... ele nunca responde de volta.
  Ao sair de casa, percebo a rua bem movimentada, como em toda sexta-feira. Como eu já conhecia boa parte do povo da cidade, ia acenando para todos, até para os que eu nem sequer tinha visto antes.

— Oh! Bom dia, pequeno Júnior!

— Bom dia, Senhora Mercedes!

— Bom dia, menino Júnior!

— Bom dia, Senhorita Esmeralda!

— Bom dia, Senhor Pedro!

— Dia.

   E assim ia até que eu alcançasse a linha do trem.
Olhei em meu relógio de bolso: faltavam dois minutos para o trem passar. Sentei me no chão e só aí foi que observei um par de sapatos pretos e femininos. Olhei para cima. Uma menina. O sol me furava os olhos.

— Bom dia. - Disse simplesmente e voltei meu olhar para a linha de trem. Ouvi o trem apitar bem de longe.

— Quem é você? - Perguntou a cachinhos ruivos.

— Júnior. E você?

— Por que está aqui?

— Eu vou pegar o trem.

— Tem dinheiro?

— Eu...

— Ah! Você é um ladrão!

— Ei, pare com isso!

— Ladrão!

— Não! Eu não sou um ladrão!

— Mas você vai tomar o trem e não tem dinheiro!

— Como sabe que não tenho dinheiro?

— Hum! Usa roupas sujas, sapatos desgastados e cabelos despenteados! Apenas uma inspeção!

— Como pode julgar alguém pela sua aparência?!

O trem ia apitando cada vez mais alto.

— Oras! Olhe para mim!

Dei uma olhada demorada.

— Vê? Visto-me bem.

— Mas não tem dinheiro.

— O que?! Como você-

— Simples, veste-se bem improvisadamente. Seus joelhos são calejados como os de alguém que vive brincando e, coisa que gente de dinheiro não permite e não tens colar de família que a maioria por aqui tem.

  Vi a menina corar até as orelhas e isso confirmou o que imaginei.

  — Não pode tirar esta conclusão apenas porque brinco e não tenho um colar! Deixei o meu em casa!

— Você sempre pega o trem?

Já era possível ver o trem.

— Sim!

— Então mostre-me amanhã seu colar e não implicarei mais com você, menina.

— Não! Está querendo roubar minha riqueza!

— Já lhe disse, não sou ladrão! - Disse e me levantei. — Não gosto de gente que me incrimina pelo o que não faço! Sendo assim, fale comigo quando deixar sua arrogância para trás! - Disse eu, como um rei que dava a última palavra.

Aquilo foi legal. O trem chegou e parou na estação. Esperei todos saírem e a perdi de vista. Ótimo. Não queria uma cachinhos ruivos me irritando. Era preferível não ter amigos.
  Assim que o trem baixou quase que totalmente a lotação, todos entraram no trem.
Então, gritei:

— Olhem! Olhem! Uma cobra! Uma cobra! - E apontei para o lado oposto e altíssimos gritos se ouvia.

Aproveitei a balbúrdia para correr para o fundo do trem e subir nos ferros, onde eu podia me segurar lá e aproveitar a “ carona ”. Havia alguns anos que eu fazia isso e um amigo meu havia me ensinado. Papai não sabia.
O trem começou seu trajeto e eu, já acostumado a ficar agarrado com braços fortes nos ferros, ia aproveitando a onda de ar naquele dia quente e, aproveitando para repassar a matemática em minha mente.
  Cheguei a pensar algumas vezes na cachinhos ruivos. Quem será que era ela? Qual seria o nome dela? Seria mesmo rica? Se fosse uma coisa ou não, não era de meu julgo determinar.
Fui cantando o resto do caminho. Cantando uma canção incerta, uma canção minha, uma canção em oitava, aguda, clara e baixa. Uma triste canção de um filho que nunca conheceu a mãe.

 Uma triste canção de um filho que nunca conheceu a mãe

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⏰ Última atualização: Jun 22, 2020 ⏰

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