Três anos atrás

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Seriam apenas alguns minutos...

Foi o que lhe disseram assim que arremessaram o pouco tecido em suas mãos e arrancaram o pai que tanto amava de seus braços.

Apenas alguns minutos, Kiera.

Alguns minutos para se vestir naquele minúsculo vestido decotado para apreciação de um bando de guardas promíscuos, alguns minutos nos quais seu pai estaria sendo torturado de ponta-cabeça e pelo o que? Já era a décima vez? Assim que os gritos dele começaram a decorar o corredor vazio de sua masmorra, ela parou de contar as sessões.

Ela parou de contar porque sua total consciência sussurrava o que estava prestes a acontecer, se aquela humana não completasse a última tarefa, a última vez que se falariam chegaria.

Kiera escolheu aquele preço maligno, ela decidiu nunca servir Amarantha, ela decidiu criar e liderar a legião Diurna, ela e os rebeldes do norte de Prynthian, se revoltaram contra aquela mulher desprezível. Aliás, foi traída por um deles, uma dos seus.

E seu Grão-Senhor... Bom, ele não fez nada para impedir.

Na verdade, Helion até proclamou que estava prestes a conduzir os rebeldes a morte e a entregar a Corte Diurna aos cuidados de Amarantha. A corte que sempre foi seu lar, seu lugar e sua vida. Diríamos que o Grão-Senhor tentou porque Kiera era teimosa demais, ela era perigosa demais.

A jovem apenas seguiu os próprios instintos e mesmo quando chegou a hora, lutou até cair por terra, sangrando e com os pulmões clamando por mais ar. Em sua mente desacordada, o desejo de morte instantânea se acumulava em suas veias feéricas. Ao contrário, não a mataram e a trouxeram até ali. Arrastaram seu corpo até a jogarem nos estábulos de sob a montanha, separada do julgamento de seu pai para morrer sozinha enterrada em merda.

Destino cruel... Já em seus pensamentos, isso era bem melhor que ser morta ou pior, abusada por inimigos.

Para sua sorte, apenas em saber de sua chegada, durante a calada da noite, um feérico a procurou em meio ao território conquistado e a encontrou ali, enterrada em lama. A dirigiu um olhar preenchido de dor e saudade, ele depressa correu em sua direção, sem prestar atenção se perceberiam que havia saído por muito tempo. O macho não ligava mais para onde seria o além-mundo, ali estava sua filha, ali estava a única coisa que importava, seu mundo.

Os olhos dela enriqueceram em prateado, era isso que acontecia com sua espécie quando as batidas do coração desaceleravam e apenas a dor preenchia o peito. O pai da jovem ajoelhou-se diante do esterco e com aquelas mãos preenchidas de calos e cicatrizes, essas mãos que já tinham a carregado nos braços, acariciou aquele cabelo imundo.

A jovem feérica morreria sem nunca conhecer a própria mãe, sem nunca ter amado de maneira verdadeira, sem nunca saber o porquê de seu cabelo ser tão prateado quanto os seus olhos que cascateavam as mesmas cores naquele momento. Ainda assim, nos olhos vivos do próprio pai conseguia encontrar os seus, naqueles olhos da cor do céu ao amanhecer, que os dois mantinham como uma conexão, não só como genética, não só como família.

Kiera suspirou pelo que achou que fosse a última vez, sob o conforto de seu abraço paterno. Só não pensava que a pesada mão estaria sob o peito, no coração corajoso que parou de bater, um último feitiço de magia branca para ressuscitá-la.


Sempre há um preço, ele passaria uma parte de seu poder já tão pouco, entregaria a última fonte de poder que guardava em si mesmo para salvá-la. Aqueles olhos encharcados em prata, voltaram ao azul como os dele. Kiera respirou depressa, conforme abriu um sorriso, em poder ver a luz daqueles olhos a envolverem novamente. Seu pai irradiava a luz da Corte Diurna, ele sim, era um homem jovial, um feérico forte.

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