De portas fechadas
Um conto por Sergio Viula
Contato: sviula@hotmail.com
Poderia ter sido uma vigília como qualquer outra na imponente igreja central. Naquela noite, haveria um clamor pela renovação dos fiéis e uma bênção especial sobre as famílias da comunidade. O pastor era um fervoroso defensor dos valores conservadores e um declarado oponente a qualquer ideia progressista e libertária, bastando para isso que não se coadunassem com as doutrinas defendidas por aquela pujante comunidade.
Tudo preparado, o povo começa a entrar no templo, enlevado pelo som de algum hino que exaltava a grandeza de Deus e conclamava os crentes à oração. Às 23h, o pastor deu início à vigília com uma saudação ao povo, uma oração, e a leitura de um versículo no livro de Salmos Depois de uma breve exortação a que se louvasse o nome de Jesus, o pastor passou a palavra ao ministro de louvor, que conduziu a congregação em animados cânticos. Depois de 30 minutos de música, glórias a Deus e aleluias, a palavra foi devolvida ao pastor, que pregou uma mensagem inflamada sobre os valores da família, da moral, da abstinência sexual, ressaltando a santidade do corpo como templo do Espírito Santo e a sacralidade do casamento heterossexual, sempre fazendo alguma alusão negativa à homossexualidade e ao amor entre pessoas do mesmo sexo. A igreja acompanhava cada afirmativa com mais glórias a Deus e aleluias. Frases como “o sangue de Jesus tem poder” reforçavam a rejeição de ideias que o pastor afirmava serem inspiradas pelo maligno.
A vigília transcorreu conforme o esperado. Portas fechadas, os crentes intercalaram orações, louvores, pregação e contribuição, num ritual que começou às 23h e foi até às 5h da manhã, sendo encerrado com a tradicional bênção pastoral.
Os diáconos dirigiram-se à entrada da igreja para abrirem as portas e liberarem a saída dos fiéis. Entretanto, não conseguiram. As portas pareciam ter sido miraculosamente lacradas, soldadas, amalgamadas. Eles forçaram, empurraram, chutaram, mas as portas não cederam. Tentaram as janelas, mas como o ar-condicionado central estava ligado, todas as janelas haviam sido fechadas, o que parece ter proporcionado as condições para que a janelas sofressem o mesmo estranho fenômeno – estavam lacradas, como se as tudo fosse uma peça só. Os diáconos informaram o impasse ao pastor, que não sabia o que fazer. Assim mesmo, reconheceu que deveria manter a calma e tentar achar uma saída, enquanto o povo ainda tomava café no salão anexo. Felizmente, estavam todos distraídos e ninguém ainda havia procurado deixar o templo.
Tentaram usar os telefones celulares para pedir ajuda, mas tanto o aparelho do pastor como os dos diáconos apresentavam o mesmo problema: estavam fora da área de cobertura. Descobriram mais tarde que a falta de sinal era geral. Tentaram acionar o alarme contra roubo. A igreja havia instalado o sistema depois de ter sido roubada pela terceira vez. Muito a contragosto, o pastor contratou o serviço de segurança privada, porque não sabia como harmonizar o versículo que diz “se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela” com essa nova situação de instalar um sistema de alarme e segurança na própria casa de Deus. De qualquer maneira, seria uma boa ideia disparar o alarme e ter em poucos minutos um carro com dois ou três brutamontes na porta do templo. Certamente, na tentativa de investigar o que estava acontecendo lá dentro, eles acabariam libertando a congregação desse pesadelo antes mesmo que as pessoas se dessem conta do que havia acontecido. O alarme, porém, não funcionou. Era como se o sistema estivesse desativado. O mesmo acontecia com o telefone da secretaria. Parecia que o fio tinha sido cortado. Contudo, o telefone e sua conexão estavam em perfeito estado.