Eu estava fingindo beber meu café recém-comprado quando a vi do outro lado da rua. Seus cachos formavam um desenho abstrato difícil de ignorar, a cor rosa ajudava a captar a atenção a distância, como se fosse um algodão doce flutuante. A algodão ia em direção ao metro, já estava anoitecendo e as nuvens de chuva já tornavam o fim de tarde quase noite.
Uma cidade como aquela não era tão seguro uma jovem ficar andando sozinha, todos os dias observo moças andando despreocupadas, sendo presas fáceis para indivíduos mal intencionados, como eu.
Ando despretensiosamente na direção daquele algodão doce, quanto mais me aproximo, mais minha fome aumenta e a minha sede por aquele doce humano fica mais forte. Adentro na estação e o cheiro dela some um pouco, misturando-se ao vai e vem de pessoas ali, mas sigo o rastro deixado pelo aroma até a plataforma principal, seria fácil perde-la de vista se não estivesse tão focada, muitos estudantes andavam por ali naquele horário muitos estudantes, vai e vem desenfreado e agitado.
Menos de dez metros vejo o meu algodão, acho que vou chama-la assim mesmo, entrando no metro e vou atrás conseguindo entrar no mesmo vagão que ela, fico no canto para me misturar a multidão o que não é difícil, sempre preferi um estilo mais simples e natural para mim, mas admito que nesse século acho fascinante a capacidade de mudança física que pode ser alcançada facilmente, tenho uma queda por mulheres de cabelos coloridos como o dela.
Observo tentando disfarçar os trejeitos dela, a forma simples que segura o celular e se balança no ritmo da música de forma discreta, pelo que consigo ouvir a distância diria que é algo como mpb, ou algum ritmo mais "calmo". A forma que seus lábios cantarolam era quase hipnotizante, vou adorar sentir cada gota dela em mim. Acho que a minha encarada estava menos sutil do que eu esperava.
Vermelha e sem jeito, ela me olhou rapidamente nos olhos e abaixou a cabeça dando um sorriso de leve. Acredito que ela gostou do que viu, sou pequena e magra, dificilmente tida como ameaçadora. Disfarcei um pouco e retribui o sorrisinho, assim seguimos viagem.
Onde eu estava? Não conhecia esse lado mais periférico da cidade, estava apenas alguns meses aqui e tinha mantido uma zona de circulação confortável, continue seguindo-a só que dessa vez nas sombras, esperando um momento isolado para ataca-la. Não consegui aborda-la antes dela chegar em casa, então decidi ficar por perto mais um pouco para tentar a sorte, se não o jeito era buscar outra presa ao redor para não perder a viagem, mas eu queria tanto me deliciar com aquele algodão doce ambulante.
Continuei a observação de longe até ouvir o barulho de algo quebrando e gritos, decidi espionar, não seria notada mesmo. Vi aquela garota acuada em um canto chorando enquanto um cara com uma garrafa quebrada na mão gritava absurdos para ela, eu dificilmente me meto em brigas de humanos, mas o terror nos olhos dela me despertaram algo que achei que havia perdido, entrei pelos fundos da casa e me movi o mais rápido que pude antes que ele a acertasse. Imobilizei e institivamente me alimentei daquele traste até não sobrar uma gota de sangue, limpei o excesso acumulado na boca com o dorso da mão e tentei me aproximar calmamente dela. Em choque quanto mais eu me aproximava, mais apavorada ela ficava, até que ela desmaiou na minha frente. Uma atitude meio idiota em uma situação de perigo.
Estava esperando aquela "pequena" acordar, já havia conseguido chegar em casa carregando uma mulher bem mais alta que eu sem chamar atenção, um feito impressionante no quesito discrição. Não sabia o que fazer quando ela acordasse, se deveria mata-la ou fazer qualquer outra coisa com ela, havia salvado a vida dela apenas momentaneamente? Deveria seguir essa parte que me diz para tentar ajuda-la de alguma forma?
- Calma, vou te explicar o que houve – falei tentando parecer o menos ameaçadora possível enquanto a algodão, melhor a Alex, apesar de achar que Algodão doce combina melhor com ela. Explique o que havia ocorrido, que eu havia matado o pai dela, descobri quando falava o que havia feito, que era extremamente abusivo com ela. Com ainda o medo permeando seu olhar dava para vislumbrar um misto de gratidão e alivio. Apesar de ter algumas centenas de anos, sei como abusos podem deixar marcas muito duras.
- Alex, eu não vou te machucar, nem te impedir de ir embora – digo calmamente, depois de todos os surtos, choros e ameaças, essas últimas me fizeram rir de tão infundadas, algo naqueles olhos castanhos escuros me faziam querer cuidar dela, contra todos os meus instintos mais selvagens, admito fazer coisas além de cuidar. Ela exalava uma inocência, apesar de ter 21 anos, que me deixava cativada. Ofereci a ela ficar comigo enquanto se estruturava, ela sabia o que eu era e também que iriam considera-la mentalmente perturbada se contasse a alguém sobre o que houve, além de chamar atenção sobre o sumiço do pai dela.
- Sim, eu fico por aqui – falou suspirando meio derrotada – não tenho para onde voltar, não tenho mais emprego e também não tenho mais aquele fardo para carregar – eu sei que poderia dar um dinheiro para ela ir embora, isso eu tenho de sobra, mas eu queria que ela ficasse comigo.
Alguns meses se passaram, conseguimos seguir uma rotina tranquila como roommates, permiti-me me sentir confortável com ela. Apesar disso, havia uma distância imposta por tudo que aconteceu, Alex preferia ignorar o fato de que matava pessoas para viver e fingia que eu apenas era notívaga, mesmo eu não sendo muito boa para esconder isso. Queria corteja-la, queria faze-la me olhar nos olhos sem medo de eu ataca-la. Já tinha desistido disso, ou pelo menos desse tipo de ataque.
Chorando, Alex estava na cozinha olhando para uma foto. Decidi me aproximar, ela deu um pequeno pulo ao me ver tão perto. Era foto de uma mulher bem bonita, com cabelos cheios negros e sorriso largo, abraçando uma criança que devia ter uns 5 anos no máximo com vários laços no cabelo que estava rindo. Perguntei se era a mãe dela, ela concordou com a cabeça e com a voz embargada ela disse que sentia muita falta dela. Involuntariamente a abracei, senti-a tensionar os músculos a soltei quase que imediatamente e, para minha surpresa, ao fazer isso ela virou e me abraçou de volta e começou a chorar. Fiz carinho nos seus cachos cor de rosa e deixei ela chorar nos meus braços até se sentir melhor.
Observando aquele foi o ponto de virada da nossa relação, começamos a ser mais próximas, apesar dos horários um pouco incompatíveis, começamos a confiar uma na outra e a compartilhar coisas, nossas vidas, claro que preferi deixar a parte dos homicídios longe de tudo isso. Ainda pensava todos os dias como seria toma-la em meus braços, mas estava quase desistindo quando numa noite decidimos ver filmes, não sairia para caçar aquela noite de qualquer forma.
Muitas risadas e uma série de comédias bestas, começamos a ver um filme de romance entre mulheres, estava abraçada na Alex sentindo seu corpo quente em contraste com o meu gelado. Em uma cena mais romântica, ela virou e me olhou bem nos olhos, se não fosse naquela hora, não seria nunca. Beijei-a tão intensamente que fiquei preocupada de tê-la machucado quando a soltei, explorei cada pedaço daquela boca. Sem pensar muito uma quantidade bem grande de tesão acumulado foi solto de uma vez só. Quando dei por mim já estávamos na cama.
Intensa é uma palavra que não faz jus a Alex. A nossa primeira noite, primeira de muitas, foi memorável. Conseguiria lembrar de cada detalhe dela por eras a fio. Isso me deixava em êxtase e preocupada, sabia que nunca tinha me apaixonado desse jeito e também sabia como era frágil e rápida a vida humana. Estava pensando em pedi-la em casamento, em pedir para aceitar se tornar um monstro como eu para que pudéssemos ficar juntas para sempre. Já estávamos a mais de um ano juntas e só a possibilidade de perde-la me deprimia, ela trazia consigo uma alegria que eu não consigo mais me imaginar longe. Ela era desde o primeiro momento que a vi o meu algodão doce, apenas meu.
Guardei a única joia que consegui quando era humana, foi roubada é claro, era um anel de rubi com ouro, com alguns adornos em ouro. Decidi que iria pedi-la em casamento e pedir para que ela fique apenas a eternidade toda comigo, ou que permita viver ao lado dela durante a eternidade dela. Fiquei sem chão quando ela disse sim para tudo, disse sim para mim.
Os preparativos foram feitos a perfeição, apesar de simples e apenas para nós duas, oficializar aquela união era perfeito demais. Queria faze-la a mulher mais feliz do mundo. Não mediria esforços para isso. Começando pela lua de mel.
-¿Son las damas Yoon? – concordamos felizes com a cabeça - la suite nupcial está lista – entramos felizes no quarto. Aquele era apenas o começo da nossa vida juntas.
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Luz dos olhos meus
RomanceO que era para ser apenas um breve momento acabou se tornando para a vida toda. Esse é um presente para a mulher da minha vida.