capítulo 5: A causa

40 8 2
                                    

O Senhor Nelson estava parado na sala do legista chefe, sentado em uma cadeira de ferro, olhando para um dos livros do senhor Johan, cujo título era "Falsas Pegadas".
- Tsk, esse Johan não tinha muita criatividade pra títulos, mas devo admitir que sabia como escrever um bom conto.
O relógio na parede a sua esquerda era o único que lhe respondia, com o seu continuo “tic-tac, tic-tac”. A porta enfim abriu, com um homem de jaleco, luvas e máscara cirúrgica entrando por ela. O homem entrou tirando as luvas e as pondo em uma caixa presa à parede ao lado de um reduzido lavabo, no qual mal cabiam as duas mãos dentro.
- Senhor Nelson?
O homem tirou a máscara com uma mão e esticou a outra em cumprimento.
- O próprio, doutor Jefferson. Trabalharemos juntos a partir de agora.
O Senhor Nelson apertou a mão do homem.
- Sentirei falta do velho Jacob, mas temos de continuar o bom trabalho.
- Precisamente, Senhor. Precisamente. Sente-se por favor. Eu lhe darei o laudo.
O homem e o Senhor Nelson então tiveram uma curta conversa sobre o histórico hospitalar do senhor Johan. Era completamente perfeito, apesar de que o senhor Johan consultava um médico a cada mês, para uma checagem geral. Por fim, chegaram ao assunto da causa da morte do senhor Johan.
- Todos os órgãos da cabeça para baixo estão em perfeito estado. O senhor Johan poderia viver facilmente mais vinte anos antes de qualquer problema de saúde.
- A empregada disse que ia até a casa dele apenas uma vez a cada duas semanas, no domingo. Cuidava apenas da limpeza e da feira, já que o senhor Johan preparava suas refeições, e com muito cuidado com os ingredientes.
O homem tamborilou com a ponta dos dedos na mesa.
- Realmente toda a parte abaixo do pescoço está livre de quaisquer problemas. Porém o caso é diferente com a parte de cima - O homem puxou uma pasta fechada. Ele a pôs na mesa, a abriu e puxou algumas fotos e anotações de dentro - Como o Senhor pode ver nessa tomografia - O homem lhe passou uma das imagens - Os olhos do senhor Johan, ambos, estão completamente destruídos. Córnea, íris, pupila, retina, tudo destruído como se tivesse sido esmagado como uma uva.
O Senhor Nelson engoliu em seco. O ar no local ficou pesado.
- Eu nunca vi nada igual a isso.
- Mesmo eu, nos meus vinte e sete anos de trabalho e estudos em Medicina Geral e Legal, nunca vi algo assim. Ao menos não dessa forma.
O Senhor Nelson devolveu a foto para a mesa.
- Dessa forma?
- Sim. Só seria possível fazer isso esmagando-os com as mãos ou algo do tipo. E mesmo assim, com eles fora das órbitas - O homem pegou outra tomografia e a passou para o Senhor Nelson - Nesta o Senhor pode ver o cérebro. Para deixar mais ilustrado, o Senhor pode comparar a imagem com essa outra tomografia, de um cérebro completamente saudável.
O Senhor Nelson comparou as duas imagens. A diferença era gritante.
- Isso é impressionante.
- De fato. O cérebro do senhor Johan em algumas partes está estourado, como se fossem veias de um hipertenso. E essas partes são precisamente ligadas à imaginação, à lógica e aos sentidos de tato, visão e audição - O homem se levantou, então, e caminhou até um conjunto de prateleiras no outro lado da sala. De uma caixa, pegou duas máscaras e um par de luvas - Também pode ver o resultado do exame nos tímpanos. Porém eu vou lhe adiantar: estão estourados.
O Senhor Nelson pôs as imagens na pasta e a fechou, deixando-a encima da mesa.
- Acho que será mais útil, então, ouvir seu veredito.
- Bem, Senhor Nelson. Não tenho muito mais tempo livre, então vou lhe dar o meu parecer de forma simples, apesar de eu mesmo não gostar disso - O homem higienizou suas mãos no pequeno lavabo enquanto falava, e pôs as luvas e a máscara - O senhor Johan morreu de medo. Medo causado por algo que viu e seu cérebro não pode nem mesmo compreender. Algo tão incompreensível que utilizou a capacidade máxima do seu cérebro até matá-lo - Ambos engoliram em seco - Agora devo voltar aos outros cadáveres. Estou sem ajudantes hoje e preciso terminar de checar outros dois antes do fim do meu horário. Tenha uma boa noite, Senhor Nelson.
O Senhor Nelson pôs o chapéu e pegou a pasta.
- Tenha uma boa noite e bom trabalho, senhor Jefferson
O homem saiu pela porta pela qual entrara e o Senhor Nelson saiu pela outra.

Luzes no EscuroOnde histórias criam vida. Descubra agora