QUINZE

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Meia noite. Fico à espera de que o relógio dê as doze badaladas da meia noite. Por quê? Por incrível que pareça, Walsh me visitou novamente depois da minha rotina, fingindo trazer mais um carrinho de doces igual hoje de manhã. Mas dessa vez, ela falou. Suas palavras saíram ágeis de sua boca. Bem objetivas:

— Meia noite venho te buscar. Se prepare.

Tentei argumentar pela segunda vez. Mas pela segunda vez, Walsh fez apenas uma rápida reverência e deixou meu quarto. Pelo menos ela me entregou um bolinho de amora para não levantar suspeitas.

E agora estou aqui, sentada sobre a cama e com os pensamentos a todo vapor. Será que é alguma pegadinha? Uma brincadeira de mau gosto para testar minha fidelidade? Os prateados têm disso. Querem mostrar que todos estão ao seu lado, não importa quem sejam. Porém, não consigo sentir o cheiro do sangue prata nessa história. Apenas o vermelho. O que será que Walsh está tramando?

E a Mare. Não sei por que, mas tenho a impressão de que sua atitude ontem à tarde foi muito suspeita. Ainda que tenhamos a mesma origem, não é bom guardarmos segredos, como, por exemplo, os nomes de nós duas. Por que ela me perguntaria meu nome? Aliás, por que eu disse meu verdadeiro nome? Impulso, talvez. Medo de ficar sozinha dentro desta jaula repleta de predadores perigosos e mortais. Devo admitir que parte desta pequena paranóia é minha culpa. Por que eu fui dar logo o meu nome?

Quando os ponteiros, enfim, param juntos sobre o número doze no relógio, sou obrigada a me mover. Pego minhas botas e as calço rapidamente. Enquanto as badaladas ressoam, corro atrás do meu colete preto sem mangas que tanto me fez companhia. Estou pronta. Agora é ...

Não termino de pensar. As batidas repentinas na porta não deixam com que meus pensamentos fluam calmamente.

Caminho até a porta, abrindo-a e dando de cara com o breu repentino no corredor. Um estranho blecaute. Raras as vezes que isso aconteceu aqui no Palacete. Então isso significa apenas uma coisa...

— Não temos muito tempo — uma voz familiar sussurra na escuridão. Walsh.

Quando dou por mim, já estamos andando lado a lado pelos corredores escuros. Me sinto perdida com as sombras bizarras que a luz refletida da lua cheia forma no chão. Mas com Walsh me guiando, parte da insegurança se esvai. Ela sabe o que faz. Acho.

— Com sorte, vão levar quinze minutos para religar a força — ela diz assim que chegamos na escada de serviço.

— E se não tivermos...? — Minha voz falha.

Walsh me puxa mais além até pararmos na frente de uma porta, na qual ela abre com o ombro.

— Nesse caso, espero que você não esteja apegada demais à sua cabeça.

Não preciso perguntar onde estamos. As estufa se assemelha a um pequeno bosque particular, com sua terra batida, lindas flores e diversas árvores artificialmente retorcidas para se encaixarem sob o grande teto de vidro que nos dá a vista perfeita do céu estrelado. Por dezenas de vezes entrei neste lugar. Mas ainda fico pasma com essa beleza toda, mesmo que não seja natural. Principalmente à noite. Porém, agora, as sombras podem esconder algo que eu detestaria descobrir. Uma emboscada, talvez. Sentinelas prontos para nos pegar, prender, torturar até a morte...

Existe um fim cruel para todas as coisas deste mundo caótico.

— Perdão por não me curvar — uma voz feminina ecoa pelo espaço.

Me assusto com a figura diante de mim. Ela é alta, forte, tem um rastro de cabelo louro marcado sobre sua cabeça raspada. Não consigo ver direito seu rosto por ter um cachecol vermelho escondendo seus traços, mas o que me deixa horrorizada não é sua presença perturbadora. Uma feia e recente cicatriz que desce do seu pescoço e se esconde por baixo da camisa é o que mostra quem essa mulher pode ser.

A Mais Forte (What If...?/AU) [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora