Capítulo um

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Theo

A casa de Marcela ficava em outra cidade, a mais de 100 quilômetros de distância. O local foi mesmo só um ponto de encontro com Milena. Um muito inusitado, que já me dava mais uma dica de que algo havia acontecido com ela. A certeza veio quando o policial que nos esperava na calçada nos guiou até o IML. Lá, um pesadelo surreal se deu forma. Estava ao lado de Milena quando o funcionário do local levantou um pano, exibindo a parte de cima do corpo que jazia sobre uma mesa fria. O rosto pálido não se parecia em nada com as lembranças que tinha dela. Mas não restavam dúvidas. Ainda que houvesse, lá estava, no pescoço, a tatuagem com um ideograma japonês que ela tinha feito ainda na adolescência. Lembrava de ela me contando que significava "amor", assim como lembrava, também, de na ocasião eu ter achado patético. Na época, a gente ainda se falava. Isso foi anos antes da nossa briga.

Agora, ela estava morta.

Tinha sido morta. Assassinada.

Milena levou as mãos à boca e, não controlando o choro, virou-se e saiu da sala, correndo.

— É ela mesmo — confirmei ao funcionário, finalizando a formalidade necessária para liberar o corpo.

Era isso. Marcela estava morta. Aos trinta e dois anos, tinha sido morta na frente da própria casa, segundo relatos dos vizinhos, pelo ex-marido. E eu nem sabia que minha irmã tinha se casado, muito menos que havia se separado, e menos ainda que havia vivido tal relacionamento com um homem capaz daquilo. Teria sido ameaçada por ele? Estaria amedrontada? Teria ele a agredido fisicamente outras vezes?

Ela devia ter me procurado. Que inferno, a gente tinha brigado, mas era óbvio que eu teria deixado tudo isso de lado para protegê-la.

Mil vezes inferno!

Senti o incômodo de lágrimas querendo brotar dos meus olhos, mas as contive. Eu não tinha o direito de desabar. Não naquele momento. Milena precisava de mim, e eu seria o seu suporte. Marcela precisava que eu cuidasse de seu sepultamento.

Era a última coisa que eu faria por ela.

Ou, ao menos, eu acreditava que seria.

*****

Júlia

Eu era, definitivamente, o que se poderia chamar de 'pessoa de humanas'. E isso tornava o processo – já corriqueiro – de fazer contas ainda mais angustiante. Lógico, isso somado ao fato de que, por mais que eu cortasse despesas, traçasse prioridades e pensasse em mil formas de economizar, a conta não fechava de jeito nenhum.

Dois meses. Era todo o tempo que eu conseguiria manter tudo em dia com o que restava do meu seguro-desemprego. Eu não tinha reserva nenhuma, nem ninguém a quem recorrer. Vinha há semanas procurando um emprego, mas parecia algo impossível.

— De novo fazendo contas? — a voz de Carla, minha amiga com quem eu dividia apartamento há cinco anos, chegou aos meus ouvidos. Levantei a cabeça, vendo-a fechar a porta após entrar em casa.

— Achei que talvez o resultado fosse ser diferente dessa vez.

— Até onde eu saiba, as leis da Matemática ainda não mudaram. — Ela jogou a bolsa e o casaco sobre a poltrona, deixou uma sacola de restaurante sobre a mesa de centro, ao lado do meu notebook, vindo se sentar no sofá ao meu lado. — Já disse para se acalmar, Ju. Qualquer coisa, eu consigo segurar sozinha o aluguel e as contas por algum tempo.

As Leis do Amor - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora