Prólogo

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    Os céus rugiam e se contorciam, soltando raios de repulsa enquanto uma tempestade se formava, com nuvens tão grossas que consumiram completamente a luz da lua. Mais abaixo, as árvores balançavam com a intensa força dos ventos, e entre elas, em meio a bagunça de folhas, estava o homem misterioso. Este segurava um livro trancado por um cadeado, com uma capa limpa de couro preto. Ele tirou uma chave cinza de seu bolso e abriu o livro, e com isso os céus rugiram.
   — Eu te rogo. Venha a mim. Me empreste seu poder.
   A floresta a sua volta começou a murchar. As árvores ficavam pretas e suas folhas caiam em uma chuva de vegetação seca. A grama secava e apodrecia. Tamanha magia sombria parecia absorver a vida em volta.
   — Pai! Por favor!
   O homem se virou e viu um garoto mais jovem. Este se apoiava em uma árvore, já não estava com todas as suas forças.
   O garoto tinha os olhos da mãe. A mulher encantadora que outrora havia lhe seduzido, e mais que isso, havia lhe conquistado por completo. Mas ele não podia deixar que sentimentalismo o distraísse. Não agora.
   — Você não entende. Eu queria tanto que houvesse outra forma...
   "Se eles não mudam o seu mundo, eu o faço a força." Pensou o homem. Mais decidido a cada segundo.
   O homem voltou a se focar em seu feitiço.
   — Eu não posso deixar!  — Léo se obrigou a gritar.
   O garoto fez um movimento com a mão e um círculo de fogo azul se acendeu envolta de seu pai.
   — Larga o livro. Agora! Não vale a pena!
   Ele apontou um dedo e seu filho foi arremessado alguns metros para trás, se chocando contra uma árvore.
   O garoto agora via tudo embaçado, ainda caído no chão. As imagens mal se distinguiam a sua frente e sua esperança ia embora junto com a consciência, que enfraquecia aos poucos, apesar do esforço em se manter acordado. Sentiu algo quente descendo pelo seu rosto. Tocando o topo da cabeça com a mão, viu sangue.
   — Por favor... — implorava o garoto, com a mão erguidas na direção do homem, que simplesmente o ignorava.
  O ritual chegou ao fim e ouviu-se um som de cavalgo a distância, se aproximando rápido. Uma figura montada em um corcel branco. Léo não enxergava com clareza, mas viu uma silhueta com um manto preto e uma máscara de ouro, que se emendava com o que para ele parecia uma coroa.
   — Quem me chama? — A voz da entidade soava como um sussurro que arrepiava o garoto.
   — Marco Magnus. Um humilde servo.
   A figura agora descia do cavalo, se aproximando do homem.
   — Me empreste seu poder. Me deixe ser sua espada e eu te dou tudo — Marco caiu de joelhos — não existe nada que eles já não tenham me tirado.
   Peste levantou uma de suas mãos. Por debaixo do manto sua mão era cinza e suas unhas pareciam garras afiadas, que escreveram um símbolo na testa de marco, cortando-o sem dificuldade.
   Agora a tempestade havia começado. A respiração de Léo estava mais difícil. Seu coração estava mais rápido do que nunca. O garoto olhou para sua mão e viu a chuva limpando o sangue dos seus dedos embaçados. Talvez fosse a água da chuva, talvez o vento gelado vindo da tempestade ou a dose extra de adrenalina, mas ele agora se sentia mais vivo. Mais desperto. Como um último instinto de sobrevivência que sussurrava em sua mente para que ele continuasse lutando.
   Por fim, peste começou a sussurrar em outra língua, e o desenho na testa de marco brilhou em verde. As mãos da entidade emitiram um raio de energia da mesma a cor, que entrava no corpo de Marco em uma luz intensa, o fazendo gritar a plenos pulmões.
   Com muito esforço o filho bateu no chão.
   — Crepitus ignis! — Gritou o garoto.
   Uma rajada de fogo saiu de sua mão, atingindo seu pai e o jogando em uma árvore com uma explosão concentrada. Ainda em chamas, marco caiu no chão. Seu corpo, agora instável, arremessava raios verdes para todas as direções.
   Léo já não tinha mais forças para se levantar, então se virou, voltando seu rosto pra cima. Olhando o céu como se fosse a última vez que o veria. Sua cabeça agora já não doía mais, e ele mal sentia a chuva que caía sobre seu corpo. Seus sentidos estavam fraquejando e o deixando aos poucos. Ele sentia que havia perdido, mas tentará tudo o que podia. As histórias de heróis que ele ouvia quando pequeno mais uma vez se provaram mentira. Contos dos fracos, de como gostariam que o mundo fosse. Histórias que não retratavam a essência da vida como ela é: injusta e caótica.
   Ele sentia as lágrimas se formarem em seus olhos e depois desaparecerem em meio a chuva. Até isso o mundo havia lhe tirado.
   Os gritos de agonia de seu pai foram se dissipando, até ele já não ouvir nada. Nada a não ser o apito, que parecia vir de dentro de seu próprio crânio. Sua pele não estava mais sensível e sua visão se escurecia aos poucos enquanto seus pensamentos se embaralhavam.
    Antes que Léo se apagasse, um relâmpago verde intenso o acertou, interrompendo seu descanso, e todos os seus sentidos voltaram de uma vez. Ele via a luz brilhante, ouvia o som estrondoso da tempestade, da ventania arrancando as copas mortas das árvores e a dor intensa de energia pura atravessando seus ossos, como se penetrasse a sua alma. Se uma alma pudesse doer, a sua com certeza o fazia. E de repente, em um segundos, tudo se apagou.

O Festim das FúriasOnde histórias criam vida. Descubra agora