Destino

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- Quinta, 16 de setembro de 2027 -

"Mama." Disse o bebê sorridente, exibindo uma gengiva quase nua de dentes para aqueles que desejassem apreciar sua doçura, e talvez adquirir um pouco de hipertensão e diabetes no caminho.

"Sim, Kyle." A mãe sorriu, acariciando-o na bochecha. "Mama já vai pegar você... só um momento, enquanto eu falo com o papai, está bem?" Ela murmurou, balançando aqueles cabelos pretos no ar, e oscilando aqueles brincos de ouro falso como se estivesse tilintando taças de vidro. Inferno, foi o que veio na cabeça de Gerard ao observar aquela cena desgostosa diante de si. Ele pensava consigo mesmo: como ela conseguia agir tão naturalmente, sabendo de seu pecado? Esfregando aqueles lábios finos e avermelhados, remexendo na pérola de seu colar e exibindo aquele decote safado como se a normalidade ainda reinasse naquela casa?

Era um absurdo, para dizer o mínimo.

Aquela cena o fazia refletir (mais uma vez, na excruciante eternidade) a respeito de sua vida... como havia traçado aquele caminho, o que o havia influenciado de fato a viver sua vida como a vivera, a enxergar como enxergava, a agir como agia... e a escolhe-la, dentre tantas outras mulheres.

Era Deus? Era DNA? Eram as pessoas ao seu redor e suas respectivas influências? Ou era alguma coisa para além daquela esfera dimensional?

Gerard sempre cogitou a ideia lúbrica de haver uma falha em sua existência, tal falha responsável pela miséria de sua vida, e a melancolia que a havia acompanhado... aquela sensação desgostosa de estar errado em seus próprios pés... como se uma rajada de vento o tivesse levado de seu ponto inicial para algum lugar na vastidão do desconhecido. Como se houvesse uma força da natureza o arrastando para lugares mórbidos e incertos... lugares incompreensíveis. Era esquisito... mas ele se pegava muitas vezes transitando na fantasia de que talvez suas escolhas não fossem realmente suas e que tudo estivesse predestinado desde o momento de seu nascimento, forçando-o a sacudir os braços em águas alienígenas.

Artémis, traições, mentiras... aquilo não parecia ser apenas obra das circunstâncias, não, certamente não era.

Gerard sentia, palpitando em seu peito e o cobrindo de arrepios: o destino.

Uma vez que o destino existe, a existência vira uma prisão. Eternamente perseguindo os ideais de um escultor anônimo, covarde demais para dar às caras.

Entretanto, não se é feliz entre quatro paredes quando tudo o que se deseja é a liberdade.

Gerard queria liberdade. Queria se desatar de tudo o que o prendia, de tudo o que o mantinha coexistindo com o destino cruel.

Mas não podia, pois havia aquela mulher, e o filho dela.

Artémis, sua esposa, e a criança. Aquelas malditas pragas, o amarrando naquela casa, naquela cidade, naquela situação pavorosa e humilhante... sua vida, seu caminho, seu destino...

Como, Gerard se perguntava, havia se deixado chegar àquele ponto?

Uma vida interditada por uma mulher a qual não amava... uma mulher que prendera suas unhas afiadas em seu peito e rastejara para o seu colo como uma anaconda resvaladiça; drenando-o lentamente de vida e energia, pouco se importando com os ossos que esmagaria no caminho.

Uma vida interditada pela solidão, pela pena e pela infelicidade. O que havia feito de tão errado para merecer tamanho desgosto, ele se perguntava. 'Quem sabe' uma voz gritava na parte de trás de sua cabeça... 'quem sabe, Gerard, você não saiba a resposta'.

E lá estava ele de novo... o destino, que muitos diziam ser uma linda borboleta azul mas que naquele instante assemelhava-se a um verme constituído de uma maldição perpétua.

Endless † FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora