Ato 1 - Chamado para a morte

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O relógio digital sobre a mesa marcava dezessete horas mais cinco minutos em seus números verdes sobre o fundo preto. Samantha estava entediada. Na parede, outro relógio redondo marcava o mesmo horário, mas diferente daquele digital sobre a mesa, esse fazia um barulho infernal de tic tac eterno, um som que rompia o silêncio daquele fim de tarde e que já a estressava mais do que o habitual. Era 4 de julho e a cidade estava vazia.

Tudo colaborara para chegar a isso. Primeiro o fato dos desaparecimentos, vinte pessoas desaparecidas nos últimos três meses. Até mesmo uma equipe do FBI fora enviada para a cidade, investigaram o caso por uma semana e então simplesmente foram embora alegando que iriam estudar os fatos e retornariam. Para a jovem policial aquilo era suspeito, por que os federais surgiriam e do nada simplesmente deixariam as coisas como estavam e partiriam?

Algo estava mal contado, alguma coisa estava sendo escondida de todos a sete chaves. Mesmo assim ela ficava quieta. Quando tentara expor suas ideias ao chefe de polícia do departamento quase fora demitida.

"Em que está pensando?" – dissera ele – "Por acaso está insinuando que os federais foram instigados a nos deixar e partir? Estamos em ano de eleições e precisamos de recursos que ainda não vieram, a última coisa que precisamos nesse momento é arrumar problemas com o governo! Apenas faça seu trabalho e deixe o resto com os responsáveis!"

O que dizer? Aquele velho rabugento era um pé no saco, sempre dando uma de sabe-tudo. A jovem tinha vontade de lhe arrancar o bigode grisalho com um alicate se pudesse. Para completar, o feriado de 4 de julho estava chegando e todos os já assustados cidadãos da pequena cidade de setenta mil habitantes usaram aquilo como desculpa para fazerem as malas e partirem.

Apenas os menos afortunados e uns poucos velhos tinham ficado, afinal, em Little River não haveriam comemoração, eles não tinham verbas nem motivos para isso, principalmente com tantos desaparecimentos sem solução.

Felizmente aquele dia tedioso estava terminando. Em menos de uma hora ela seria substituída pelo oficial Johnson e poderia ir para casa. Passaria pela loja de conveniências apenas para comprar comida e ração para o gato, depois seus planos se resumiam a Chopin no player e duas horas com sais de banho na banheira.

A fim de despertar da preguiça daquele dia chato a jovem levantou-se e foi até o banheiro lavar o rosto. Estava só o dia todo, aquela era uma pequena delegacia e nada naquela cidade acontecia para que se preocupasse. Até mesmo os desaparecimentos quando notificados não deram em nada, pois todo o destacamento de policiais, cerca de vinte homens e mulheres, mais centenas de voluntários haviam procurado e mesmo assim não haviam encontrado nada, nem pistas sobre o paradeiro das vítimas.

Samantha entrou no pequeno banheiro e deixou a porta aberta de forma que ouvisse caso alguém adentrasse a sala logo atrás de si. Desprendeu o distintivo do bolso da camisa de seda azul-marinho e o prendeu na cinta. Em seguida afrouxou o nó da pequena gravata e abriu a gola da camisa, respirando mais aliviada. Sempre se sentia sufocada naquelas roupas.

Molhou as mãos e acertou alguns fios do cabelo que estavam soltos e lhe caíam sobre a testa. A jovem tinha cabelos castanhos lisos cortados acima dos ombros, repicados para os lados e penteados da esquerda para a direita. Bateu de leve no rosto e encarou os próprios olhos castanhos no espelho, imaginando se todo aquele estresse não a envelheceria mais rápido. Tinha vinte e três anos e não tinha namorado. Considerando os babacas que as amigas namoravam, não sabia dizer se aquilo era um bom ou mal sinal.

Antes que começasse a pensar em coisas relacionadas a sentimentos, seus pensamentos explodiram em uma nuvem de esquecimento ao levar um susto com o som do telefone tocando em sua mesa.

Foi correndo até o mesmo e atendeu ao terceiro toque.

—Alô, delegacia? Alguém aí? Quem está aí? – gritava a voz do outro lado.

—Oficial Samantha falando, quem fala aí? Pode falar com mais calma, por favor?

—Até que enfim consegui sinal! – berrou a voz ao outro lado. Era uma voz masculina – Estou na floresta, ao sul da ponte de Woodland, preciso de ajuda urgente! Eles estão atrás de nós, Steve, ele... ele não conseguiu escapar, eles o pegaram! Estou fugindo pela estrada na caminhonete do Joe, ele está aqui, mas está mal, precisamos de ajuda, chame um médico, vou tentar entrar na cidade pela estrada da fazendo do Harry, estou quase na ponte, mas essas coisas correm tão rápido quanto um carro! Por favor, consiga ajuda!

—Que coisas? Do que está falando? Vou ver o que posso fazer imediatamente! – respondeu a policial em voz alta, claramente exaltada em resposta ao que ouvia.

Samantha não queria pensar naquilo, mas em seu íntimo sentia que aquele caso tinha algo a ver com os recentes desaparecimentos, principalmente porque ela suspeitava que se alguém desaparecera sem deixar rastros, a chance de estar na floresta de Woodland era enorme e aquele homem estava justamente fugindo apavorado daquela floresta.

—Eles estão aqui! – berrou a voz ao telefone – Maldição! Como essas coisas puderam me alcançar? Estou a mais de 80km/h, eles estão tentando entrar! Me ajude! Me ajude!

O som que a policial ouvira em seguida fora o estrondo de tiros de alto calibre e pelo que ela conhecia sobre armas provavelmente de uma escopeta. Quem atiraria com uma escopeta à queima-roupas estando ao volante? – pensou. Pior que isso, o que levaria alguém a atirar com uma arma de tão poderoso dano ao mesmo tempo em que dirigia?

A jovem ficou chamando, mas não ouviu mais nenhuma resposta. Após o som dos tiros, o som que viera fora muito pior, um barulho enorme que parecia ser o de um grande impacto, como se o veículo no qual o sujeito estava tivesse colidido de frente com uma árvore, pedra ou barranco na velocidade em que estava. Antes disso, porém, o grito do sujeito foi bastante claro.

Se o homem que ligara não entrasse para a lista de desaparecidos, pelo menos não haviam dúvidas de que ele estaria na lista de baixas daquele estranho caso.

O relógio marcava dezessete horas e quinze minutos. Há exatos dez minutos a policial estava entediada e esperando pelo merecido descanso daquele fim de dia. No entanto, o que fazer agora? O chefe de polícia, o delegado Norman Berckley, estava com a família em Ohio. Assim como muitos outros viajara dias atrás para aproveitar o feriado fora daquela cidade.

O que ela deveria fazer? Seus instintos de policial falaram antes de tudo. A mulher discou o número da casa de Johnson, o policial que a substituiria no plantão daquela noite e lhe explicou o que acabara de acontecer. Pediu-lhe que viesse o mais rápido possível e informou que iria investigar o ocorrido, deixando a delegacia trancada. Cada policial tinha sua própria chave e devido ao recente acontecimento ela decidira que não tinha escolhas a não ser ir imediatamente averiguar o que estava ocorrendo.

Felizmente pelo tom de voz do outro policial,enquanto ela explicava os fatos ele já estava saindo de casa para vir até onde a mesma se encontrava naquele momento.

RESIDENT EVIL - Terror em Little RiverOnde histórias criam vida. Descubra agora