As cores de Sammy

Um sonho em conjunto

Se não olhassem apenas para sua deficiência, Bosston era perfeito. Faltava um pouco de cor em sua vida, mas ele era um mísero pecador, então não podia exigir a perfeição. De resto, ele era um cara bonito e alguém legal.
Fora o fato de ser daltônico, todo o resto estava ótimo para si. Colesterol e diabetes nunca estiveram melhor. Anemia passava longe de seu corpo invejável de atleta.

Sua vida era como um paraíso divino, perfeita. O único problema era sua esposa, Sammy, que insistia no fato de que lhes faltava muito só pelo fato dele não conseguir ver as cores.

Tudo aquilo era bem chato, depois de crescer e começar a entender um pouco sobre a vida, compreendeu que as cores não lhe faziam tanta falta assim. Claro que gostaria de ao menos uma vez na vida ver o azul do céu ou o "marrom amarelado" que era a cor dos olhos de sua esposa e filho. Avelã e azul, aquelas eram as cores que tinha certeza que seriam as suas favoritas.

O fato de ter uma família tão linda não deixava espaço para sentir falta das cores e precisava muito que Sammy entendesse isso de uma vez por todas, pois estava ficando maluco.

— Sammy, por favor, entenda de uma vez que tudo está perfeito dessa forma. Por que quer mexer na obra de arte sabendo que há um grande risco de estragar tudo? — Já fazia um bom tempo que sentia necessidade de saber o motivo de sua esposa insistir tanto naquela história e aquele parecia um ótimo momento para entender.

— Porque eu sei que você quer e também sei que você amava se arriscar, Bosston. Eu não quero mais te ver com medo de tentar coisas novas, sinto falta disso em você. A gente come no mesmo restaurante ou pizzaria a três anos porque você não quer arriscar comer em outros. Eu quero o meu Tonnie que se arrisca de novo — explicou, recebendo apoio de seu filho de nove anos, que acabou ganhando uma repreensão com o olhar de seu pai.

— Será que você já se esqueceu da última vez que tentei isso? Não lembra mais o quanto eu sofri? O tempo que precisei para me recuperar? Por favor, Sammy, vamos ficar com o risco conhecido para evitar o sofrimento.

— Será que você já se esqueceu que em todos os momento eu estava com você? Eu sofri quase igualmente com você. Não adianta negar, Bosston, sei que você tem muita vontade de ver as cores e eu quero isso para você, nem que seja por minutos ou até segundos. Eu quero que você veja como nosso filho é lindo, como a cor dos olhos dele é linda — disse, tendo que parar um pouco para respirar por conta da velocidade na qual pronunciava tudo. — Eu e o Prem não aguentamos mais comer macarrão e pizza nos fins de semana. 

— Então peçam para vocês em outro restaurante. Fim de papo. Vou dormir, boa noite.

Deixou o cômodo, um pouco abatido por conta da discussão. Mesmo que tivesse certeza que as cores não lhe faziam falta, tocar naquele bendito assunto sempre o deixaria um pouco cabisbaixo… Bem, noventa e nove por cento de certeza, ainda tinha um por cento de insegurança, mas bem, era como sempre dizia, não podia ser completamente perfeito.

Estava na metade da escada indo para o seu quarto quando escutou a vozinha doce e calma de seu unigênito: “Não foi dessa vez, mas ainda não foi o suficiente para nos fazer desistir, não é, mamãe?” e logo em seguida o estalo de um high five. Aquela era uma das muitas provas de que não precisava das cores para ser feliz, o amor naquela família era mais que suficiente para lhe fazer se sentir completo.

Uma meia hora depois, sua esposa chegou no quarto indo direto para o banheiro escovar os dentes antes de dormir. Pouco tempo depois, deitou-se um pouco afastada de Bosston. Antes mesmo de se casarem, fizeram uma promessa de respeitar o momento um do outro e ele entendia o quanto aquilo também era importante para Sammy e que ela só fazia aquilo com a melhor das intenções, por isso estava respeitando seu momento e não lhe cobrando a atenção que merecia.