Capítulo 2

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Abriu os olhos, lentamente, pela manhã, e ficou encarando o teto do quarto perdido em pensamentos. Pensamentos antigos, de anos atrás, quando a vida ainda fazia algum sentido para Jace. 

Todos os dias, as memórias retornam, e fica impossível esquecer. Mas ele sabe que, com o tempo, não irá conseguir lembrar mais. Sabe que o rosto dela em sua mente ficará embaçado, e o som de sua voz se perderá em meio ao nada. Já está se perdendo. E quando ele não conseguir mais visualizá-la em sua mente, o pouco sentido que resta do que chamam de "viver" não existirá. Não mais.

Anda pelos corredores do instituto e vai até a sala de treinamento. Lutar não tem a mesma graça de antes, porém ainda o distrai. Suas mãos e braços doem de tanta força que usa, porém isso não importa. Quase nada mais importa. A única coisa que faz com que a vida de Jace tenha algum sentido é a sua família. 

Continua socando e socando o saco de pancadas incansavelmente, em uma velocidade impressionante. A raiva em seu rosto é visível, assim como a tristeza em seus olhos cansados.

- Jace... - para imediatamente o que está fazendo quando escuta a voz de Simon não muito longe, e se vira para encará-lo, encontrando mais alguém com ele.

A garotinha estava em pé, na frente de dele, parada e com os olhos assustados focados em Jace, que, por sua vez, se afasta do saco de pancadas, com a respiração descompassada, buscando por mais ar. Simon pega a menininha em seus braços, fazendo com que ela olhe o encare.

- Ele está bem, vê? - pergunta, acariciando as costas dela - Tio Jace já está bem, só estava... treinando um pouco. Agora vai lá ver a mamãe, tá bom? - a coloca no chão cuidadosamente, vendo-a correr com passinhos curtos até sair de seu campo de visão.

- Eu estava... sinto muito, não a tinha visto. Eu a assustei, não foi? - veste uma blusa e passa as mãos no cabelo úmidos - Deveria tê-la visto, eu...

- Jace, está tudo bem. Alana está bem, ela só nunca o tinha visto assim. - Simon diz, se aproximando dele, que solta um suspiro pesado - Agora em relação a você... não sei se está tão bem assim.

Sim, ele não estava. Há anos, não estava. Mas se acostumou com a dor, e com o fato de que provavelmente nunca estaria totalmente bem novamente, como costumava estar. Anos atrás.

- Não se preocupe comigo. Não preciso de mais um fazendo isso. Izzy e Alec já bastam. - pega um pedaço de pano, e começa a enrolar em sua mão, fazendo o mesmo na outra - Mais alguma coisa? - pergunta, agora encarando Simon.

A frieza com o tempo acabou se tornando um pouco mais comum à vida de Jace, mas tentava tratar as pessoas de uma forma melhor do que realmente sentia vontade. Os únicos sentimentos que deixava transparecer eram a raiva e a tristeza - principalmente a tristeza - então falar indiferente com aqueles a sua volta não aparecia ser uma ideia tão absurda.

- Eu iria dizer para você tentar descansar um pouco, mas como sei que não vai me escutar então não, não tenho mais nada a... falar. - faz uma breve pausa e sai da sala, deixando Jace, que voltou a socar, agora com as mãos enfaixadas.

~*~*~

- Está tudo bem, Harmony. Não tem mais ninguém lá. - dizia para si mesma - E além do mais, você não tem medo. A não ser que tenham patos lá. Mas não tem, então, tudo certo.

Impulsionada pelo estranho desejo de ir até aquela igreja, resolveu não perder mais tempo. Se sua mãe não iria com ela, não via problema em ir sozinha. Seria rápido, e além do mais, a pior coisa que poderia acontecer é se Harmony se perdesse, ou fosse sequestrada. Mas ela não iria. Bom, pelo menos isso não está em seus planos.

Quando sua mãe a deixou na escola, digamos que Harmy resolveu não ficar por lá. Saiu sorrateiramente, sem que ninguém percebesse, e agora está andando pelas ruas de Nova York a caminho de seu destino. Nem mesmo ela sabe o que a deixou com tanta vontade de ir até aquela igreja abandonada, mas agora já era tarde. Não iria desistir até que fosse até lá.

Continuou andando, lentamente, quando ouviu um barulho vindo de um beco naquela rua. Ainda era um pouco cedo, as pessoas já haviam ido trabalhar, e não era uma rua lá muito movimentada, então, naquele momento, não havia mais ninguém. Foi se aproximando do som, e quando finalmente espiou o beco, todo o sangue fugiu de seu rosto, indo para o coração, que batia incontrolavelmente rápido.

Eram dois homens, com uma espécie de espada nas mãos, que lutavam contra um... monstro? Era um pouco maior do que eles, e aparentemente forte. Harmony ficou olhando, assustada, mas, por incrível que pareça, nem tanto assim. Queria se aproximar um pouco mais, mas sabia que provavelmente não seria um boa ideia. Não fez nada, continuou parada, observando, até que o monstro começou a se virar lentamente, enfim encontrando-a. A respiração de Harmy se descompassou mais do que já estava, e, como uma estátua, não conseguia se mover.

Foram longos segundos assim, até que a estranha criatura se contorceu, indo na direção da menina, o que fez com que esta saísse de seu estado de transe, correndo para dentro do beco - sem saída, por sinal. Por que não para fora? Bom, o que o pânico pode causar a alguém, não é?

Os dois a encaravam com os as sobrancelhas franzidas, como se não entendessem muito bem o que estava acontecendo. Quando não havia mais para onde correr, o real desespero começou a tomar conta de Harmony, que, contido dentro da mesma, começou a se espalhar pelo seu corpo. O monstro, com uma velocidade tão absurda que nem os dois homens conseguiram conter, foi na direção dela. E quando finalmente ela ficou ao seu alcance, sentiu, por poucos segundos, uma forte dor no braço, mas só por esses segundos. 

Como se fosse um reflexo involuntário de seu corpo, a menina pôs os braços a frente de seu rosto, fazendo com que seu pulso esquerdo - logo o esquerdo - ficasse de frente com a criatura. Só foram necessários alguns segundos para que Harmy sentisse uma estranha, mas, ao mesmo tempo, familiar vibração atingindo seu corpo, assim como uma forte luz atingiu o monstro, fazendo com que se desintegrasse, sumindo no ar, como pequenas partículas de fogo.

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