Malleus Maleficarum

Revolucionária

O pequeno cômodo era preenchido por barulhos incessantes de metal, ferramentas e suspiros misturados com suor e trabalho duro. A mão enluvada manuseava habilmente as engrenagens novas que havia produzido naquela manhã de sábado; sabia exatamente quais peças se encaixavam e como seria feito o enlace das partes de algo que nem ao menos sabia o nome, mas já amava. Criar e inventar nunca foi difícil; pelo contrário, chegava a ser mais fácil do que respirar.

Para Hatsume Mei, inventar era seu ar e seu maior motivo de viver.

Ela não tinha grandes coisas que a prendessem, na verdade. Seu pai morreu na guerra, como um camponês pobre que foi obrigado a se alistar para honrar a pátria; a mãe, dona de casa, adoeceu e veio ao mesmo fim que o marido já morto na época. Restou a Mei – que, naquele momento, não deveria passar dos quinze – a tarefa árdua de viver sozinha. Jovens da sua idade, e do seu gênero, normalmente tentariam arrumar um casamento com algum nobre ou alguém que tivesse melhores condições do que a miséria em que vivia, mas Hatsume nunca pensou em dinheiro, casamento e muito menos em uma vida fácil.

Mei não precisava de alguém se já tinha suas invenções.

Era simples. Inventava o que vinha na cabeça e, em um instante, a coisa havia nascido. Foi assim com tudo o que tinha na sua humilde casa deixada pelos pais, desde os utensílios de cozinha até ao artefato bonito que viria a chamar de cafeteira. Não precisava de dinheiro ou de uma boa vida para comprar suas coisas; se precisasse de algo, Mei simplesmente entrava em seu ateliê e criava o que precisava. Para ela, era tão claro como as gotas da garoa; para os outros, era a mais esquisita coisa que poderia existir.

Soltou um suspiro cansado e encostou as costas na frágil cadeira de madeira. Mei olhou ao redor. A fagulha de orgulho próprio que sentiu ao ver centenas de suas criações empilhadas e organizadas, limpas e brilhantes, era o que a fazia ter forças para se levantar todos os dias. Mesmo que estivesse sempre escondida atrás de suas engrenagens e ferramentas, Hatsume se sentia acolhida como uma criança recém-nascida no colo da mãe.

— O que eu faço hoje? — Ponderou. Já havia criado de tudo um pouco e, mesmo assim, as ideias sempre vinham à cabeça. Deu um solavanco para trás, quase caindo no chão. O pé da cadeira havia quebrado.
— Posso começar com uma cadeira nova. — Levantou-se e analisou o que tinha. Bagunçou os cabelos rosados e levemente sujos pelo trabalho. — Estou sem parafusos e minhas brocas estão quase acabando, acho que vou ter que sair para comprar mais.

Hatsume odiava sair de casa. Não que fosse antissocial – mesmo que parecesse. Tinha meia dúzia de colegas e talvez um ou dois amigos com quem poderia confiar, mas era somente isso. Os olhares julgadores sobre si sempre que ia procurar materiais novos para suas criações eram angustiantes, talvez até mesmo metralhadores. Afinal, em plena Idade Moderna, mulheres que criavam coisas eram vistas como estranhas.

E ter o conhecimento de que Hatsume nunca pisou em uma Igreja apenas aumentava os burburinhos.

Batidas na porta chamaram a atenção de Hatsume. Ela sorriu.

— Entre, Tenya.

A porta foi aberta. Era seu amigo de infância, Iida Tenya. Ao contrário de Mei, a vida de Iida sempre foi fácil. Filho da nobreza, nasceu e cresceu no berço de ouro, destinado a ser o comandante de algum batalhão no exército suíço. Jovem, atlético e forte, era desejado por muitas nobres. Seu pai planejou dois ou três casamentos para o caçula, mas Tenya rejeitou todas as oportunidades que teve. Não era pelas moças, suas pretendentes eram realmente belas e recatadas, porém nenhuma delas tinha o especial que ele procurava.

Nenhuma delas era Hatsume Mei.

— Boa tarde, senhorita Hatsume. — Iida carregava uma caixa enorme nos braços fortes. — Eu trouxe um presente. Onde posso deixar?