A Sinfonia dos Anjos

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Então o vento soprou a poeira quente da cidadezinha de Everglades, de modo que, pouco a pouco, um grande tornado se formou; arrebentou com as casas e fez os carros tocarem uma sinfonia de alarmes estridentes.
Michael que acabara de chegar de viagem correu, ofegante, à procura de sua família. Ao se deparar com a casa de número 616 foi tomado de grande desespero.
A construção, que já era velha, tinha desabado e tudo o que havia dentro tinha sido comprometido. Então o homem chorou. Derramou tanta lágrima que sua angústia ecoou pela vizinhança, fazendo com que moradores fossem o consolar.
Dentre estes, um homem velho chamado Ravi, o chamou e perguntou o que havera de acontecer.
- Acabo de chegar de viagem e vejo um cenário assim; devastador! - respondeu Michael engasgado com o choro impetuoso.
O velho olhou para os lados, voltou sua atenção à Michael e o convidou para ir com ele até sua fazenda que ficava em Saint Louis.
- Saint Louis? - Michael indagou. - Iremos demorar cerca de dezoito horas até chegarmos. Preciso encontrar minha família.
Ravi deu alguns passos, chegou próximo de Michael e pôs sua mão direita em seu ombro.
- Venha comigo! Eu ajudarei a encontrar sua família.
O sorriso de Michael se misturou com o rosto encharcado.
- Como pode me ajudar a encontrar minha família? Por acaso não estamos na mesma situação? Não tem família também, meu senhor?
- É, eu tenho sim.
- Pois bem... - disse o homem ao secar o rosto molhado com seu braço - creio que as autoridades irão me ajudar, mas você? Olha... Procure por ajuda também.
O velho deu um sorriso de canto e olhava para o céu fazendo com que o homem ficasse indignado.
- Já esperava a insensibilidade dos caipiras desta cidade - murmurou Michael.
- Agora eu sou insensível, meu rapaz? - Ravi sorriu. - Eu estou te dando uma oportunidade.
- Que oportunidade? Quem disse que eu quero oportunidades? A única coisa que irei fazer é tentar encontrar minha família. Tudo o que sou agora é um homem à procura de uma mulher e dois filhos.
- Você era delegado! - exclamou o velho.
- O quê?
- Todos que ousavam se meter em seu caminho acabavam mortos. - continuou Ravi.
Nesse momento Michael se enfureceu, partiu para cima do velho Ravi e quase o acertou com socos, mas foi interrompido pelos moradores locais.
- Se entre hoje e amanhã eu não o levar até sua família, quero que use o revólver que está portando para abrir um buraco na minha testa. Temos um trato?
Michael titubeou por algum tempo; depois aceitou o convite.
E foi a hora dezessete em que ambos seguiram viagem.
- Como posso te chamar? - perguntou Michael.
- As pessoas me chamam de Ravi.
- Certo, Ravi.
- E você, delegado?
- Apenas Mike.
- De onde você vinha quando chegou a Everglades, apenas Mike?
- Ah, além de vidente, gosta de piadinhas também?
- De vez em quando, sim.
- Responda, você! - disse Mike - É o cara que adivinha as coisas. Como adivinhou que eu era delegado?
- Foi sorte...
- Eu não acredito em sorte, não mesmo. - respondeu. - Tudo na vida tem um porquê.
- É nisso que acredita? - O velho Ravi perguntou.
- É nisso que eu acredito.
- E no que mais acredita? - indagou - É crente ou cético?
- Tá perguntando se eu acredito em Deus? - Mike perguntou.
Ravi fez que sim com a cabeça.
- As vezes tenho certeza, outras vezes duvido. Tem momentos em que acho que Ele foi criado para responder questões das quais não podemos responder. E se podemos responder, escolhemos o divino para falar por nós.
- Se tivesse a oportunidade de fazer uma pergunta a Ele... Uma pergunta... Qual seria? - Ravi indaga.
- Perguntaria se minha família está bem.
- Quando se trata de família, percebo que o senhor não é tão egoísta. - disse o velho com um sorriso amarelo.
- Como assim?
- A maioria, na sua situação, perguntaria sobre o paradeiro e não pelo bem estar.
- Quer dizer que por dois minutos não estou sendo um completo filho da puta?  - Michael devolveu com um sorriso.
- Não. Não está sendo. Está se preocupando com eles e não consigo mesmo.
- E você? - Mike perguntou ao velho.
- O que tem eu?
- Disse que também tem família. - o homem continuou, com os olhos fixados em Ravi. - tem esposa, filho ou o que quer que seja?
- Minha família é enorme! Sabe? Espalhada por todo o mundo. Desde o começo eu optei por não ter esposa. Acho uma perda de tempo. Mulheres são tão...
- Ranzinzas? - Mike pergunta.
- É... É isso aí. E meu filho você vai conhecer assim que chegarmos na fazenda.
- O seu filho está com minha família? - Michael parou o carro quando fez essa pergunta.
Ravi então olhou para fora da janela, tirou o cinto de proteção e voltou sua visão a Mike.
- São seis horas da noite. Precisamos de um lugar para ficar.
- Me responda! - Mike gritou. - Minha família está nessa sua fazenda?
- Sei de um hotel onde podemos ficar.
Michael insistia fervorosamente.
- O que estou fazendo aqui? Conversando com um doente mental que me convida para porra de uma fazenda, quando sabe que um homem perdeu a porra da família. Sabe o que é perder, Ravi? Sabe o que é ficar sem esposa ou filho? O que sabe da porra da vida?
- Eu perguntaria onde errei...
Então, sem entender, Mike fitou seus olhos em Ravi.
- Eu perguntaria qual o preço para redenção. Perguntaria se a dívida um dia pode ser paga. Se todo esse sofrimento vai ter um fim. Não é assim que perguntamos?
- Vai a merda, seu cretino! - protestou Michael. - Desce do meu carro agora!
- Não quer encontrar sua família? Eu não prometi te levar até ela? Pois bem, vamos dormir no hotel do qual eu falei hoje e, pela manhã, partiremos.
Então os dois partiram para o Hotel Central que ficava na beira de uma estrada pacata. O hotel era velho e a chegada de forasteiros faziam com que seus sapatos orquestrassem rangidos de madeira velha.
- Boa noite! - desejou uma bela moça loira com seus cabelos claros e olhar tímido.
- Boa noite! - os dois responderam de volta em forma de coro.
- Quantos quartos?
- Dois, minha querida. - disse Ravi.
- Felizmente, estamos com muitos quartos disponíveis esta noite. Posso oferecer aos senhores os nossos dois melhores quartos. O quarto número 109 e o 110.
- Muito obrigado! - Mike respondeu.
- Por nada - disse a garota. - Os senhores parecem cansados. Viajaram há muito tempo?
- Na verdade, não muito, mas nosso dia não foi bom. Por isso esse semblante horrível. - Michael respondeu sem tentar esconder tristeza.
- Sei que já os enchi de perguntas, mas de onde os dois vêm?
- Everglades - Ravi responde. - A bela cidade pequena.
Logo depois da fala do velho, Michael indagou a moça a respeito do tornado, mas ela alegou não ter nenhuma notícia.
- É uma pena! - Disse Mike. - É um descaso com os cidadãos americanos.
A moça entregou as chaves dos quartos e ofereceu os serviços do hotel.
- Os senhores podem se acomodar, sentar à alguma mesa e se quiserem jantar... Já sabem.
Quando os dois sentaram a mesa, Mike questionou Ravi mais uma vez. Ele queria saber o por que de tudo aquilo. A razão de estar o seguindo. Parece que nem mesmo o homem conseguia compreender a força que fazia agarrar a idéia com tanta esperança.
- O que eu disse antes... - Mike começou.
- Esqueça isso!
- Não! - insistiu - O que eu disse antes não era pessoal.
- Eu entendo você, Apenas Mike. Eu entendo todos os seres humanos da face da terra. Eu os entendo perfeitamente, mas parece que eu não consigo fazer com que eles me entendam.
- Tá vendo? - apontou Mike - você fica falando desse jeito. Parece que eu tô conversando com um psicopata e... e esse... esse psicopata vai me levar a um lugar distante e silencioso e matar.
- Você é quem tem um revólver!
- É, eu tenho um revólver... Eu sempre tive a porra do revólver. - Mike abaixou a cabeça enquanto olhava para o copo de Whisky.
- Quem é você? - Mike pergunta. - Não o seu nome. Quem é você de verdade?
- Posso te contar quando chegarmos aos quartos?
Então Michael ascentiu e deu outro gole.
Mais tarde, naquela noite, no quarto 110, Ravi chamou Mike. O velho estava trajado de um colete preto por cima de uma camiseta social branca. Sua calça social era fina e seus sapatos estavam polidos 
Michael ficou impressionado e perplexo com a vestimenta elegante de Ravi.
- Onde encontrou essa roupa? Por acaso roubou de algum magnata?
Ravi não se conteve.
- Ele nem vai dar conta disso, vai?
- Eu daria. - Respondeu Mike.
- Hoje, mais cedo, no nosso jantar. Você quis saber quem eu sou.
- Quer falar sobre isso? - Mike perguntou.
- Quero sim!
Na varanda do quarto do hotel havia duas cadeiras de madeira. Ravi pediu para que Michael sentasse em uma. Então ele sentou sem indagar nada.
- A mais nova tem dez. O nome dela é Tara. Ela tem seu olhar, seu temperamento... Ela corria em frente de casa todos os dias, era difícil vê-la quieta. Ao meio dia, ela parava em frente a tevê e era o único momento em que viamos ela sentada, quietinha, com os olhos grandes e fitos.
- Para!
- A mais velha... - Ravi continuou - A mais velha era acanhada. Tinha dezoito anos. Como ela era alta, Mike. As pessoas do colégio não entendiam e até zoavam dela, mas ela sempre ajoelhava ao pé da cama, todos os dias, pedindo para que eles parassem.
- Porque está fazendo isso comigo? - Mike chorava como um bebê que tem o contado com o mundo pela primeira vez.
- Você sabe quem sou eu, Michael.
- Por favor, para!
- Repita em voz alta, por favor! - Ravi dizia.
- Não faz isso comigo, eu te peço.
- Você quer mesmo saber quem eu sou, Mike. Você quer me conhecer, quer saber da minha família, quer saber porque entrou no carro com um doente mental?
- Você as tirou de mim! - O homem chorava até engasgar. - Você... Você tirou tudo de mim. Tudo!
- O que era o tornado, Mike?
- Não tinha tornado nenhum!
- Isso mesmo, Mike, não tinha.
Então Ravi puxou uma foto da esposa de Michael e mostrou para o homem.
- Você a amava... Eu sei. Você nunca traiu, você a enchia de presentes. Você abraçava ela tão forte. Cara, parecia que estava segurando o mundo.
- Como elas morreram, Mike? - O velho perguntava severamente.
- Elas... Elas morreram no dia 30 de setembro... No mesmo dia que o tornado buttler chegou a cidade.
- Como elas morreram, Michael?
- Integrantes de uma máfia explodiram minha casa nesse dia, logo depois do buttler. - respondeu enquanto seu corpo tremia.
- Elas estavam dentro? - Ravi perguntou.
- Elas estavam sim, elas... - continuou Michael - Eu as perdi.
Nesse instante, Michael se levantou da cadeira, jogou um copo de vidro pela varanda, puxou o velho pela gola.
- Onde você estava?
- Onde eu estava, Mike?
- Onde você estava, Todo Poderoso?
Ravi suspirou, afastou o homem e disse:
- Eu estava onde eu sempre estive. Eu estava quando você tirou vidas de pais inocentes, quando você inocentou criminosos, quando você aceitava suborno ou quando traficava armas. Eu estava lá quando colocaram meu único filho num madeiro e o mataram. Uma dor tão forte que ele pensou que eu não estivesse vendo. Eu não o vi, Mike... Não o vi porque eu o arrancaria dali. Sim, Michael, eu sei o que é perder.
- Você é Deus!
- Sim, Mike, eu sou. E você volta a Everglades todos os dias para procurar sua família, mas eles não estão mais lá. Eles não estão mais naquele lugar. Eu prometi que você a veria e você verá sua família.
Então na hora 11, pela manhã, Michael viajou com Ravi até a fazenda de Saint Louis.
Na chegada, Ravi se voltou para Mike, deu um abraço forte e falou:
- Olha, Michael, quando as pessoas que não acreditam em mim perguntarem o porque do mundo ser assim. Responda que o mundo é como elas o enxergam.
Depois disso, Michael entrou em um grande casarão de madeira e se reuniu com sua família e com Emanuel, único filho do velho. Isto aconteceu em Misouri, Estado dos Estados Unidos.

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⏰ Última atualização: Jul 04, 2020 ⏰

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