Prólogo

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Houve um novo estrondo, o chão tremeu por alguns instantes e o corpo da garota com mãos de cristal começou a ruir. Por meio do observatório de vidro que dava acesso a sala de testes, o Administrador podia observar cada milímetro da composição quebrando e então se desfazendo pouco a pouco no vazio dos dutos de ventilação.

O Administrador buscava criaturas mágicas há incontáveis anos e do fundo de sua velha sala sorria, aquele sorriso habitual de lábios felinos, com a satisfação que advinha da destruição de mais um, dentre aqueles seres que dizia como os imperfeitos.

Aquele homem, dotado de imensa capacidade de persuasão, realizava consultas nos vilarejos em que pessoas eram apontadas como criminosas pelo uso da magia e costumava ser autorizado a, em troca de algumas moedas de prata e a promessa de que a santa inquisição não as levaria à forca, leva-las para um local seguro até o final da Guerra para então serem devolvidos às suas famílias.

Catarina foi selecionada perto do final da Guerra, a notícia de sua existência se espalhou por meio de denúncias de bruxaria e outros crimes, daqueles que nenhuma prova foi conhecida. Entretanto, diziam os moradores, que as pessoas que ficavam próximas a ela envelheciam com demasiada pressa e os comentários sobre sua capacidade de adivinhação acerca dos pensamentos alheios eram vastos. Diziam que as coisas que aquela mulher sabia ultrapassava largamente o que poderiam ser meros palpites de seres comuns.

A morte prematura do marido e filha de Catarina deu força aos comentários e enviados da inquisição foram encaminhados ao seu encalço. Estavam eles próximos chegar ao vilarejo para levar a bruxa ao julgamento perante o cônsul que fora designado com urgência, após três mortos serem encontrados na frente da capela, quando o Administrador bateu em sua porta.

O casebre em que ela vivia ficava em frente a uma floresta, uma mata densa e profunda, e possuía um grande jardim a sua frente, flores de cores variadas, plantas com cheiros diversos, tudo circundado por pedrinhas vítreas, formando uma grande espiral de cores que parecia se mover a cada passo que se aproximava da porta de madeira simples, com um pequeno vitral azulado.

Ele chegara. Sem mover um músculo, Catarina convidou o Administrador a entrar. O velho empurrou a porta com a calma de um animal selvagem em caça e observou o interior do único cômodo que compunha a integralidade da moradia de sua presa.

Em seguida colocou sua maleta e capa sobre o aparador que pendia precariamente ao lado da porta. No instante que se distanciou da porta de entrada, em um solavanco oco, esta se fechou.

- Qual o seu desejo, meu querido Ignus? – os olhos semicerrados da bruxa observavam com uma curiosidade diabólica aquele que adentrava sua residência, que cheirava a incenso de cravo e diversas ervas secas que pendiam aos maços das paredes e teto.

- Eles virão lhe buscar e você não sobrevirá – respondeu com a voz firme, evitando demonstrar o interesse por aquela extravagante criatura. – Há anos que não ouço esse nome, quais são suas capacidades, criança?

- Minhas capacidades? – ela sorriu em deboche. – Você é cego ou ignorante, ninguém poderá me matar ou tirar uma única palavra que eu não deseje.

- Você sabe que virá comigo. – sentenciou.

O administrador meneou a cabeça e deixou seu corpo robusto descansar pesadamente na banqueta que estava posicionada exatamente a frente da poltrona vermelha em que a bruxa permanecia ainda imóvel.

O seu olhar perscrutador se perdeu por alguns instantes. Ele observava os olhos azuis acinzentados e profundos de Catarina, que harmoniosamente contrastavam com os lábios grossos e delineados pela cor vermelho sangue. Atentou para as maçãs do rosto da bruxa, estas eram completamente sem cor, pálidas como a morte, exceto pela existência de pequenas linhas negras, uma pintura que se espalhava por todo o seu rosto, feita com traços finos e triangulares.

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