Capítulo 3

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Noah

    – Você está novamente estranho, chefe, como ontem.
   – Pode definir "estranho" para mim, Lorena? – Incito minha analista de produção sentada atrás do enorme balcão de madeira e vidro da recepção, rodeada por ferramentas mecânicas que ela cataloga. – Que cor é essa mesmo? Braw? – Eu estou "curtindo" com ela, óbvio. Não só sei a cor, como sei que ela odeia que qualquer homem faça comentários sobre sua aparência. – Mais estranho que isso? –  Aponto também para a sua vestimenta: um tipo de terninho antigo, só que até aí tudo bem, o problema eram os jeans rasgados com os tênis de couro quase da mesma cor de seus cabelos.
        –  Nossa, chefinho! Nem vou dizer, mas estou mandando você ir para aquele canto agorinha mesmo na minha mente – fala ela, com seu mau hábito de me chamar de "chefinho" e de retrucar tudo o que falo. –  E primeiro é brow e nem passa perto desta linda cor – ela toca carinhosamente uma ponta do próprio cabelo –, segundo, por favor, me diga como se sente em relação ao que te mordeu hoje.
        Qualquer outra pessoa teria receio de falar assim comigo, ainda mais nesse tom. Todavia, Lorena nunca teve e creio que por isso que deixo que veja esse lado descontraído meu. Ela é uma das poucas. Embora não seja praticamente minha funcionária e trabalhe boa parte para si mesma, Lorena é simplesmente essa pessoa com todo mundo. Não tem papas na língua e nem liga para o que falem dela. Seu jeito "levado" e o fato de ser desbocada nunca me incomodou, embora incomode visivelmente alguns clientes e fornecedores que vem a Simon's Road quando ela está aqui. O que é quase sempre.
A mesma que me ajudou com o nome da oficina. Sim, significa "Simon na Estrada". São poucos os que realmente entendem o significado e até alguns investidores acham estranho o nome e só por isso Lorena, assim como eu, gostamos mais. Nunca fui bom em seguir regras ou fazer aquilo que todos fazem com medo de arriscar, principalmente nos negócios, mesmo tendo começado de baixo e contra todas as probabilidades. O fato de ser um dos melhores em meu ramo me dá essa bola toda. Eu sou bom no que faço e sei disso, outro nome para prepotente ou arrogante, mas e daí?
– Quer saber, para a minha desgraça, ela voltou bem antes do esperado – confesso, continuando nossa conversa anterior.
          – A Camylla? Quero que fique longe dela, quero dizer, sei que é sua sócia, ela até é legal, mas tem algo... Ahhh!!! –  Lorena finalmente se dá conta de quem estou falando, paralisando seu movimento, os olhos adquirem um tom mais escuro e sua expressão não é a mesma brincalhona de antes. Uma lasca de esmalte preto cai de sua boca no chão, estreito os olhos para isso, ela meio que tenta revirar os seus, mas está séria demais. – Eliza.
          Sinto a grande diferença na leveza de sua voz em cada letra pronunciada, ao contrário de quando falou o nome da Camylla.
Não compreendo como Lorena não se dá bem com a minha sócia, sendo que as duas mal se cruzam aqui na empresa. Mylla vive viajando, inclusive, está justamente agora em uma viagem me substituindo na abertura de mais uma filial da Simon's Road, junto a Adriel, meu outro sócio. Mas não importa o quanto pergunte, elas nunca dizem o real motivo dessa aversão, então é assunto encerrado para mim.           
– Você a viu, não foi? Você se encontrou com Eliza ontem? – Pergunta rápida, verificando o celular.
Assinto com a cabeça, confirmando sua dedução, já que, no momento, minhas mãos e até minha boca estavam ocupadas por algumas ferramentas, enquanto tento abrir o motor da motocicleta à minha frente. Nada higiênico.
Outra coisa que pouco ligo. Nunca tive medo de sujar minhas mãos ou qualquer camisa engomada e de marca, também não gosto de ficar trancado no escritório o dia todo comandando tudo de longe. Tinha começado dessa forma e era assim que continuaria com minhas empresas: mãos na massa. Dispenso o macacão em tempo de trabalho, mas não o blazer em reunião, pode ser contraditório, mas é como mando em minhas coisas.
– Você não parece surpresa com a volta dela – analiso. Com toda certeza, ela ficaria se soubesse que fui eu que arquitetou tudo e o tiro meio que saiu pela culatra, para variar. O mundo parece ter um favorito quando o assunto é Eliza e eu. Mas não acredito em destino, eu faço o meu próprio.
Ela arqueia uma sobrancelha, irônica.
           – Ela é minha melhor amiga e prima. E você sabe que é o que basicamente todo mundo está comentando por aqui, a volta da herdeira –  brinca ela, balançando o celular. – Mas, na real, desde quando a maioria das pessoas desta cidade começaram a usar mais o celular, nossas vidas viraram um reality ambulante. As pessoas deveriam ter mais o que fazer.
    – Acho que nos viram...
    Recebo um olhar pasmado e entusiasmado.
Merda! Eu falei em voz alta, o que foi uma jogada errada da minha parte. Lorena me ouve e, pela sua expressão, gosta muito do meu comentário.
Dois minutos em silêncio e ainda sinto seus olhos sobre mim.
– Você ainda está me encarando –  respiro fundo.
– Estou te analisando, é bem diferente –  ela replica. – Eu não preciso dizer que quero saber os detalhes. Como foi vê-la de novo? – continua, com uma voz neutra e com um olhar que me dá nos nervos. 
A volta de Eliza é tão trágica assim, ao ponto de ela estar me testando? Apesar de não precisar responder, e eu não dou explicações a ninguém, Lorena nunca me deixaria em paz.
    – Eu só não soube o que fazer.. – anuo em resposta, arrancando outra expressão, agora compreensiva, dela.
Lorena está colocando os preços de maneira aleatoriamente, com certeza maquinando tudo em sua mente fértil e hiperativa, o que mais uma vez me fez rever meus conceitos de contratação de serviços e de aceitá-la como treinadora de qualquer assistente que pudesse ter.
Também não quero falar mais, já estou arrependido de ter ido nessa direção. Toda a conversa está me tirando do eixo. Lembrar do meu passado, principalmente da parte que inclui Eliza, não é algo que faça de bom grado. Entendo que apenas as pessoas mais próximas sabem que Eliza Mafra é um assunto delicado para mim, e Lorena é uma delas. As outras pessoas não têm os detalhes da história entre mim e minha ex. Um acordo silencioso que não orquestramos, mas seguimos mesmo assim.
             Fico livre do interrogatório da Lorena quando meu celular começa a vibrar dentro do bolso do meu jeans. Me levanto, sorrindo ao ler o nome na tela.
            "Cami sua 2".
        Ela é minha "número um" na cama, mas não gosto que saiba, e foi ela própria que salvou o contato assim. E quem sou eu para tirar um título desses?
         Desligo e mando mensagem, avisando que retornarei em cinco minutos.
– Bom dia, senhor Aguiar!
– Bom dia, Alifer! Tudo certo? – aperto a mão de meu encarregado de forma breve. – Ficarei ausente hoje, pode assumir agora. Serão só você e Lorena por aqui. Como sabe, os outros estão em treinamento.
        Temos um quadro de quinze funcionários, contando com a recepcionista que Lorena ficou de instruir quando escolhêssemos, mas os outros estão num treinamento que ofereço para eles todos os anos. Nas outras filiais também é assim. Temos mais de vinte espalhadas pelo país.
– Está bem – Alifer fala, enquanto segue para o vestiário para trocar de roupa.
–  Eu vou sair daqui a pouco – Lorena sai de trás do balcão.
–  Mas você ficou de...
– Tenho outros clientes, Noah –  diz, antes de pegar sua bolsa e sair.
Passo as mãos no cabelo de forma exasperada. Pois é, eu estou tendo outro dia de merda e nem é meio–dia.
       Me dirijo para os fundos da oficina, na direção onde o elevador ligado a minha cobertura fica. Eu gosto do meu próprio espaço e também foi uma escolha minha praticamente morar no meu trabalho. Assim que construí e concluí a Simon's Road, meu apartamento foi o próximo.
      Entro no elevador. Não demora um minuto e já estou em frente a minha cobertura. Abro a porta e sou recebido por minha sala quase vazia. Sou do tipo minimalista e por isso ela é tão estéril, assim como o resto dos cômodos, apenas com alguns poucos móveis dispostos aqui e ali. O apartamento é espaçoso do jeito que gosto. Tenho uma bela visão da cidade por causa da janela panorâmica à minha frente.
Quando pedi o projeto do apartamento, queria que ele desse essa sensação de não privacidade. Essa sensação de abertura, quando, na verdade, tudo na minha vida era mascarado. Cada atitude, cada conversa e passos eram calculados. Nada poderia sair do meu controle. Eu só me permito ser eu mesmo com as pessoas mais próximas, e têm os dias para isso. Dá para contar nos dedos de uma mão quem são essas pessoas. No entanto, não posso contar a verdade a nenhum deles. Eles não entenderiam, acho que nem eu entendo o porquê de querer que Eliza voltasse.
         Suspiro. Me sirvo de uma bebida forte pensando no que eu estava na minha cabeça quando achei que trazer Eliza novamente para a cidade seria uma boa ideia. Mas a quem eu estou querendo enganar? É óbvio que quero que veja como estou, onde cheguei, enquanto ela está na pior. Porque, sim, é uma lição por ela ter feito o que fez comigo anos antes. Eu preciso seguir com meu propósito.
Tenho o final da manhã e praticamente a tarde inteira para me armar e me preparar para quando vê-la novamente – cortesia de ser o chefe –  mas, por enquanto, salvaria minha companheira do tédio dos eventos.
            Enquanto desabotoou minha calça, faço a chamada de vídeo. Preciso do alívio que vou receber, mesmo que seja virtualmente, o estímulo revigorante pelo celular acabará com toda essa tensão. Pois de uma coisa eu tenho certeza: hoje eu vou me encontrar com Eliza mais uma vez e não será nem um pouco bom.

     
💋 Oie, oie, amouuures! Ainda tem muito mais! Não esquece de salvar, curtir, comentar e seguir a escritora iniciante aqui @annesantie_. Bjoos da Anne!💋♥️

MECÂNICO ARROGANTEOnde histórias criam vida. Descubra agora