Em memória e homenagem a todas as mulheres que tem suas vidas tiradas pelo "crime" de serem mulheres.
Eu era um pequeno pássaro
Queria voar o mundo
Mas minha mãe deixava claro meu despreparo
Eu era só um pequeno pássaro
Que observava ao longe os voos solitários
Que muito me pareciam serem repletos de liberdade
Porém
Eu era um pequeno pássaro
Frágil
Que sozinho era indefeso
Mas que acompanhado não poderia ganhar o mundo
Eu era um pequeno pássaro
Que só queria crescer
E aprender a voar solo
Esse momento parece que nunca chegaria
Eu me sentia espectadora de voos alheios
Alguns voos começaram a dar errado
Minha mãe me alertava de pássaros grandes
Que atrapalhavam os voos de pássaros como eu
Mas nunca vi acontecer com quem conhecia
Me contaram
Me alertaram
Me avisaram
E depois disso
Chegou o momento do meu voo
Eu já não era um pequeno pássaro
Eu cresci
Eu aprendi que não poderia ganhar o mundo
Mas que aos poucos eu construiria o meu
A cada pequeno voo eu conquistava mais espaço
Via mais coisas
Conhecia outros pássaros
Eu era feliz
Meu voo de liberdade foi alcançado
Nunca achei que chegaria mas chegou
E quanto mais longe eu voava
Mais perto os pássaros grandes chegavam
Eu recuava
Com medo
Assustada
Me encolhi ao ponto de ter medo de voar
A liberdade que tanto esperei
Me foi tirada pelo medo que sentia
Mas era preciso voar
Era preciso construir meu mundo
Eu não poderia deixar de voar
Por medo daqueles que faziam pássaros como eu cair
Um dia
Entre os meus corajosos e cautelosos voos
Encontrei um dos pássaros grandes
Dos quais tanto falavam
Eu tive medo
Ele voava atrás de mim
E eu voltei a me sentir
Aquele pequeno pássaro
Voltei a ser
Um frágil pássaro
Depois do susto
Depois do medo
Depois do desespero
Veio o sangue
Veio a queda
E eu percebi que nunca deixei de ser
Um pássaro que sozinho era indefeso
Porque existiam aqueles que queriam tirar minha liberdade
Por eu ser quem sou
Por eu ter a audácia de ter sonhos
De ser livre
Eu tive a audácia de tentar viver
Num mundo banhado de sangue
Sangue de pássaros como eu
Forrado com as nossas penas
Que nos foram arrancadas tão facilmente quanto as nossas vidas
Eu cai
Antes de mim
Outras caíram
Quantas mais cairão?- em memória de Letícia Curado, assassinada em 2020.
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Afogada
PoesíaEm si mesma, em pensamentos que talvez não mereçam serem expostos ao mundo, mas que aqui estão. Em alguns momentos nos afogamos, em outros, transbordamos. - Bella, 2018 - Pensamentos que iniciaram em 2018 em águas turbulentas, alguns sequer concord...