1. A biblioteca

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Elas viviam em um velho sobrado caindo aos pedaços uma rua abaixo da minha. Ainda lembro, como se agora fosse, dos risos daquelas velhas senhoras que ficaram postadas às janelas esperando por alguns fiapos de vida.

Aquela vila em que vivíamos era miserável, um lugar esquecido pelo tempo, onde nem mesmo os cobradores e velhos carroceiros ousavam se aproximar.

Brincavam algumas crianças nas proximidades com uma velha escada. Tudo era velho ali. Vestiam farrapos de roupas doadas pela Santa Igreja e sequer faziam elas ideia do mundo lá fora.

Havia uma praia de água doce há alguns quilômetros dali, eu nunca pude ir até lá. Era perigoso, diziam. As velhas, os carroceiros que não se aproximavam e até as crianças. Eu acreditava ser destemida. Entretanto, diziam, era apenas uma menina. E ser uma menina não era muito, mas era ainda menos naquele lugar apodrecido pelos anos.

O dia que decidi fugir, lembrei da escada de madeira que também era um dos poucos brinquedos das crianças da rua e não fazia ideia do porquê de aquilo ter me ocorrido. Quando dei por mim, estava correndo abaixo as alamedas esburacadas da vila.

Meus doze anos de idade me distinguiam das crianças que corriam atrás de bolas e bonecas, nos meus doze anos eu desejava fugir e encontrar um navio à beira da praia dos perigos, que me levasse para a maior aventura já vista.

Na falta do navio, queria conhecer a biblioteca no centro da cidade, ouvira falar que era possível levar livros para casa, mas especialmente, que poderia ler lá e que não seria expulsa, ou era o que eu esperava.

Quando cheguei às portas da Biblioteca do Estado percebi que elas eram muito maiores do que imaginara. Havia detalhes talhados à mão, com pequenas criaturas fugidias espalhadas pelas bordas, assim como essas gárgulas que sempre em guarda protegem antigos prédios.

O primeiro degrau de madeira da entrada rangeu sob o peso da minha galocha. Eram dias de chuva aqueles e minha vontade era de devorar cada livro que encontrasse na minha frente.

Quando finalmente tomei coragem e entrei, meus olhos foram tomados pela imensidão da biblioteca. As prateleiras de livros subiam até o topo das paredes e também haviam escadas, mas essas eram lustrosas e estavam presas à um trilho que as firmava nas estantes.

A bibliotecária me olhava com curiosidade. Demorei a perceber que ela estava ali e observava de maneira pouco discreta minhas vestes esfarrapadas. Eu tentei sorrir para ela, na tentativa de dizer "Olá, meu nome é Clarice e eu gostaria de aprender a ler". 

Continua...

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⏰ Última atualização: Aug 29, 2020 ⏰

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