AZUL

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Uma vez cansada de andar, sentei-me em um dos bancos da praça por onde passo quase todos os dias e decidi observar as cores das pessoas.
Sim, pessoas têm cores. Cores que representa quem são e o que já passaram durante suas vidas.
Após algum tempo olhando as cores circulando em minha frente, sentou-se do meu lado uma senhora, nos seus 60 anos aproximadamente. Seu corpo era pequeno, frágil e cansado. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque perfeito. O sorriso nos seus lábios transmitia um "estou bem, obrigado!", mas no momento em que a olhei verdadeiramente, enxerguei sua cor e percebi que ela não estava tão bem assim. Vermelho era uma cor que me incomodava de certa forma, pois me trás a sensação de raiva, magoa, ódio e até mesmo desespero. Queria muito conversar com ela, para ver se conseguia amenizar aquele vermelho berrante a sua volta, mas no momento em que me abri minha boca para começar a falar, a mulher simplesmente se levantou e voltou a andar, e eu continuei lá, vendo-a ir para seu destino. E então eu passei o resto da tarde sentada no mesmo lugar, vendo cores e mais cores até que deu meu horário e voltei para casa.
Depois desse dia algo estranho estava acontecendo. As cores estavam um tanto apagadas, e tremulas. Não eram mais as cores fortes e presentes que eu tanto amava. Eram apenas simples borrões agora. E isso tornou um tanto quanto difícil enxergar a verdade nas pessoas. Eu já não conseguia distinguir o marrom simples do verde musgo carregado de inveja e repugnância.
E isso continuava dia após dia, cada vez mais fraco e omisso, até que chegou a um ponto que não conseguia ver mais nada. E isso fez com que pessoas erronias passassem e fizessem seus estragos desnecessários a meu ver, simplesmente por mero prazer. E em seguida partindo como se não houvesse acontecido nada demais, e me deixando simplesmente com descrença de um dia haver verdade novamente.
Mas não posso negar que tive pessoas bondosas de natureza ao meu lado. Lembro-me perfeitamente de uma garota que conheci há anos atrás em um lugar que não me recordo perfeitamente. Ela tinha o sorriso mais encantador, que por mais que houvesse um pouco de dor, era um dos mais bonitos e engraçados que eu já tinha visto, e tinha a capacidade de arrancar risinhos involuntários dos meus lábios. Se ainda conseguisse enxergar as cores, juraria que a dela seria amarelo, pois essa garota era quente, aconchegante e trazia tranqüilidade para minha vida sem rumo.
Após ela, me veio outra garota. Essa por sua vez tinha uma cara não muito agradável, e eu realmente não me simpatizei com ela no começo. Mas quando olhei no fundo de seus olhos, consegui ver sua essência. Era acanhada, mas bondosa e gentil, não era igual à outra, alegre demais, que sorria demais, mas era acolhedora e fácil de conviver. Posso jura que sua cor seria um rosa bem claro, daqueles que você olha e tem vontade de tocar para ver se era realmente fofo e real.
Posso dizer que essas duas pessoas foram umas das que mais me ajudaram a tentar recuperar o que mais me fazia falta. Claro que tive ajuda também de pessoas que conviviam comigo diariamente, pessoas essenciais. Suas cores? Lembro-me perfeitamente. Uma era lilás, linda, aconchegante, mas instável. A outra era branca, distante, mas sempre onipresente. E por ultimo, o mais importante, caótico e vibrante laranja, afinal, no começo da vida tudo é novo, chamativo e forte.
Durante um tempo até me acostumei com a cegueira, já que não deixaria e nem queria mais ninguém entrar na minha vida, pois todas as cores que eu mais gostava estavam comigo aqui: lilás, branco, laranja, amarelo e rosa. Na verdade não devo mentir, faltava uma cor sim. Faltava o azul. Azul sempre foi minha cor preferida. Pra mim ela sempre representou pureza, mas infelizmente nunca vi ninguém dessa cor. Talvez não exista talvez o azul seja só um mito. E agora, era impossível mesmo de ver já que... Bom, não vejo mais nada. Ou talvez não.
Uma vez conheci uma pessoa que só de ouvir um simples "oi" consegui de alguma forma sentir a inocência presente em sua voz. Será um coração azul? Um coração que era capaz de dar amor sem nenhum interesse? Não fique para ver, pois por mais que pudesse ser já havia algo o corrompendo e como eu queria impedir isso. Cheguei a comprar tintas e canetas para tentar colorir-la novamente, ate mesmo alguns riscos de azul tentei colocar, mas não durava mais do que apenas minutos.
Muitos diziam para esquecer essa obsessão, que o azul não existia. Mas não conseguia colocar na minha cabeça tal idéia, não poderia desistir dos meus desejos. Tinha que haver alguém azul em algum lugar.
Depois de algum tempo, sentei-me no mesmo banco do começo, mas não por estar cansada, e sim por estar em paz. Não podia ver minhas amadas cores, mas poderia ver as crianças brincando, o que dava o mesmo prazer. E do nada me senta a mesma senhora, com seu coque severamente perfeito, que acaba me encarando e abrindo um sorriso diferente do que me recordava, esse era simples e doce sinceramente.
-Quando eu tinha sua idade, também perdi minha visão e não soube lidar com isso e acabei desistindo. Desisti de enxergar e não me permiti sentir. Tornei-me mais uma na multidão. Fiquei vermelha e cheia de magoas por não conseguir mais ver. E vê-la sorrido daquele jeito, supus que estava vendo o que antes eu adorava ver. Isso não me ajudou em nada, mas fiquei com pena de você, porque aquele era seu ultimo dia. Sua inocência estava esgotada, e você tinha que começar a enxergar a vida sem saber o era correto ou não, tomar seu rumo. E depois de tanto tempo encontro você novamente, com o mesmo brilho nos olhos, como se ainda conseguisse ver as cores. E digo-lhe que quando chegar na minha idade você recuperara sua visão, afinal, a morte já me bate a porta, e nada mais justo do que morrer vendo um arco-íris não é mesmo? E posso lhe dizer também que nunca havia visto essa cor. Nunca soube que o azul era tão lindo...
Então era isso! A cor que eu tanto procurei estava presente o tempo todo e eu fui incapaz de ver. E
stava aqui o tempo todo e eu ignorei de tal forma que... Ah como fui tola!
Levantei-me do banco, dei um beijo na bochecha da senhora, e sai correndo. Correndo para o lado do meu lilás, do meu branco, do meu laranja, do meu amarelo, do meu rosa, para que assim eu pudesse ser o azul deles. E a pessoa corrompida?Bom encontrei varias iguais, alguma eu consegui trazer de volta, outras simplesmente deixaram as cores irem, e outras eu lhes dei o azul.
Afinal, o azul sempre esta presente, por mais que muitas vezes não consigamos vê-lo, já que nem sempre conseguimos ver o mar ou que o céu esteja isento de nuvens.

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⏰ Última atualização: Dec 30, 2014 ⏰

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