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o que é viver ?

Sarah se perguntava todos os dias, sempre acordava com o barulhinho chato da máquina que 'bipava' a cada vez que seu pequeno coração batia.

Naquele quarto incrivelmente branco com o cheiro forte de hospital impregnado em suas têmporas, enquanto olhava para a janela ela se perguntava se aquilo era viver, se perguntava também quando seus pais iam desistir. Seus amigos aos poucos se afastaram então porque eles também não desistiriam ?

Nas primeiras semanas suas colegas de escola sempre vinham para animar o dia monótono de Sarah no hospital, com o passar de dois meses elas mal se lembravam de visitar a pobre garota doente.

Ela procurou não desanimar, mesmo após algum tempo ela ainda procurava se enganar com pensamentos como "elas ainda vem, só devem estar ocupadas demais".

Depois de dois anos Sarah se perguntava se aquelas meninas ainda se lembravam de sua existência, ou pelo menos se sabiam que ela ainda estava viva.

Seria tudo mais fácil para a garota se simplesmente deixassem ela ir em paz. Mesmo que ela tivesse dezesseis anos não tinha energia, não tinha o ânimo adequado para uma pessoa da sua idade, se sentia mesmo era uma senhora de setenta e poucos anos perdida no corpo de uma criança que acabava de chegar no meio de sua adolescência.

Suas pernas bambeavam todas as vezes que tentava descer do leito alto sozinha. Ela sabia que tinha que chamar uma enfermeira para acompanha-lá, mas não, insistia que tinha que ser independente, oras, se não podia caminhar com o seus próprios pés como poderia ser um ser humano Independente no futuro ? Isto é, se o futuro dela ainda existisse.

Sarah mesmo com as pernas bambas desconectou de seu corpo magro os fios que conectavam a máquina responsável por monitorar seu coração. Ouvindo o barulho irritante do 'bip' agudo e contínuo causado pela falta de frequência cardíaca que deveria estar sendo monitorada.

Sentiu os pés gelados no chão e se prontificou a ir em direção ao banheiro, chegando lá a mesma suspirou fundo sentindo seus pulmões pesados pelo esforço feito ao caminhar.

Seu reflexo no espelho se tornava peculiar sempre que seus olhos corriam pela sua imagem pálida e corpo magro, se perguntava como seria se fosse apenas uma garota normal prestes a completar seus dezessete anos, saudável, feliz e fora de arredores como os muros do hospital.

Sarah balançou a cabeça, ter aqueles tipos de pensamentos não fazia bem para a mesma, então ela apenas decidiu ignorar o que se passava em sua cabeça. Rapidamente -não tão rápido assim- ela se dirigiu até a cabine, fazendo suas necessidades matinais e lavando as mãos após fazer uso do local, ela baixou a cabeça mais uma vez e pensou se sentir cansada sobre aquilo tudo que estava acontecendo em sua vida.

A garota apenas ignorou a bagunça de pensamentos dentro de sua cabeça, e seguiu discretamente de volta á seu quarto, era como um pequeno ciclo vicioso todos os dias a mesma sensação de que estava perdida, vivendo todos os dias as mesmas coisas e sentimentos cansativos.

Chegando ao seu quarto já sabia que iria encontrar alguma enfermeira qualquer que deveria verificar onde a sua "querida" paciente se encontrava, ela soltou um suspiro pesado de alívio ao ver que a velha senhora Hugh estava ali.

A senhora beirava seus sessenta e cinco anos e era a enfermeira preferida de Sarah, para ser sincera, era a única que ela conseguia gostar entre médicos, ajudantes, enfermeiros. Era tão inebriante e tóxico o jeito como todos ali olhavam para sí com pena, mas com a velha enfermeira era diferente. Se sentia um pouco mais normal, um pouco menos...Morta ? Talvez esse fosse o termo correto a se usar,pensou a menina.

- Aí está você pestinha, por acaso quer me matar ? Me fazer enfartar ou algo assim ? Garanto que quase conseguiu!

- A senhora consegue ser tão melodramática ao ponto de eu achar que deveria fazer uma novela, senhora Hugh.

- Oras garotinha petulante! Para você é enfermeira Hugh. -A velha mulher bufou e revirou os olhos enquanto a menina ria de sua irritação.

- Calma aí velhota, eu apenas fui ao banheiro.

- E por que não foi ao banheiro do seu quarto ?

- Era a oportunidade que eu tinha de sair desse cubículo... - Deu de ombros enquanto o seu checape matinal era feito pela enfermeira - ...É um bom modo de tentar escapar de tudo isso.

- Minha menina...- Senhora Hugh dizia enquanto afagava os cabelos de sua paciente - Eu sei que não é fácil passar por tudo isso, mas entenda que você tem uma saúde frágil e...

- E que eu não posso sair e blá blá blá...

- Graças a Deus que é uma paciente, se não eu lhe esganava o pescoço. -Por um momento ambas ficaram sérias ao se encararem, mas logo caíram na gargalhada descontraindo e alegrando todo o ambiente.

- Eu também lhe amo velhota.

- Não se pode mais tentar lhe tratar bem, desisto - A velha empinou o nariz e virou as costas, logo sentindo o abraço da garota em sua cintura larga.- Okay...Talvez eu goste de você também, mas não se convença achando que irá me comprar para fazer suas vontades.

- Você que manda minha senhora.

- Tenho que ir agora, irei olhar outros pacientes e mais tarde volto para lhe ver, hoje temos quimioterapia. Não esqueça.

A velha senhora piscou para Sarah, essa que revirou os olhos e bufou já que queria passar mais tempo na companhia de senhora Hugh, a garota se deitou novamente.

Seus pais sempre vinham, mas em especial naquele dia eles estavam demorando, em dias de quimioterapia eles faziam questão de não se atrasarem. Será se finalmente desistiram ? Era uma hipótese a se considerar, porém a garota preferiu ignorar tudo e simplesmente fechar seus olhos, se sentia inválida por se sentir cansada de um esforço tão pouco.

Depois de um pequeno cochilo um enfermeiro veio a chamar para a seção de quimioterapia. Suas veias doíam, seus olhos ardiam e cada vez ela se sentia mais enjoada de toda aquela situação insuportável, não havia nem sinal de onde seus pais estavam e já no meio da tarde quando sua quimioterapia estava acabando, seus pais chegaram.

Ambos estavam com um sorriso no rosto e seguiram até a garota sentada na poltrona. Sarah estranhou aquela animação toda, eles estavam mais do que atrasados, nem se quer perguntaram ou avaliaram a menina que olhava para os adultos com cara de poucos amigos, ela estava odiando aquele momento.

As vezes nenhuma dor pode ser medida, ou até mesmo compreendida, Sarah ali sentiu a cordinha que segurava seu mundo cair de vez.

"Filha, você vai ter um irmãozinho"

A mulher falava com um sorriso no rosto, enquanto alisava sua barriga ainda não protuberante por conta da gestação ainda ser muito recente, seu pai tinha o sorriso de quem acabara de ganhar na loteria. O coração da menina apertou, ela sabia que não demoraria para que aquele homem e mulher na qual ela chamava de pais, a trocassem por aquele bebê.

Mesmo sabendo que o feto não tinha culpa de nada, ela ainda sim o odiava.

Ele iria roubar seus pais, ela sabia.

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primeiro capítulo :)

o próximo sairá dia 15/08

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⏰ Última atualização: Aug 10, 2020 ⏰

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