A mãe

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Nnu Ego recuou e saiu do quarto, os olhos perdidos e vidrados, contemplando o

vazio. Seus pés estavam leves e ela avançava como se estivesse em transe, sem

dar-se conta de que usava aqueles pés. Foi de encontro à porta, afastou-se dela e

cruzou a varanda, avançou para a grama verde que fazia parte do alojamento dos

empregados. A grama estava úmida de orvalho sob seus pés descalços. Seu corpo

inteiro sentia a névoa fina do ar, e parte dela percebeu quando roçou a roupa lavada do patrão

branco pendurada no varal. Isso a fez girar o corpo num safanão, como um cãozinho ao

esticar completamente a corda. Agora estava voltada para a estrada, tendo decidido usar os

olhos, a parte da frente e não mais a de trás. Correu, os pés ainda mais leves, como se os

olhos, agora que os usava, lhe dessem uma leveza especial. Correu, passou pelo bangalô do

patrão, passou pelo jardim lateral e disparou pela estrada de saibro, sem asfalto; seus sentidos

ficaram temporariamente ofuscados pela cor da estrada, que parecia de sangue aguado. Foi

em frente até depois dessa estrada curta que levava à grande, asfaltada; correu como se a

perseguissem, olhando para trás uma única vez, para ter certeza de que não estava sendo

seguida. Correu como se nunca mais fosse parar.

O ano era 1934 e o local era Lagos, na época colônia britânica. O bairro residencial de

Yabá, a uma pequena distância da ilha, fora construído pelos britânicos para os britânicos,

embora muitos africanos, como o marido de Nnu Ego, trabalhassem lá como serviçais e

empregados domésticos; uns poucos estrangeiros negros, funcionários de baixo escalão,

viviam em algumas das casas modestas do bairro. Mesmo naquele tempo, Lagos estava

crescendo depressa e, pouco depois, seria a capital de um país recém-estabelecido chamado

Nigéria.

Nnu Ego passou a toda velocidade pelas bancas do mercado Zabo, cobertas com folhas de

ferro corrugado vermelho que, tal como a grama úmida e o saibro no chão, reluziam com o

orvalho da manhã. No estado em que estava, não parecia ver nada disso, embora seu

subconsciente registrasse tudo. Pedrinhas aguçadas no caminho por onde ia espetaram seus

pés quando chegou à Baddley Avenue; sentiu e ao mesmo tempo não sentiu a dor. O mesmo

se aplicava à dor em seus jovens seios, soltos sob a blusa, agora se enchendo depressa de

leite, desde o nascimento de seu menininho, quatro semanas antes.

Seu bebê... Seu bebê! Sem querer, os braços de Nnu Ego envolveram os seios doloridos,

mais para confirmar sua maternidade que para aliviar o peso deles. Nnu Ego sentiu o leite

escorrer, umedecendo sua blusa buba; e a outra dor sufocante se intensificou, chegando-lhe

agora à garganta, como se tivesse o firme propósito de espremer para fora de seu corpo, ali e

então, a própria vida. Só que o leite tinha como sair e aquela dor não, embora a forçasse a ir

As alegrias da maternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora