Capítulo único

20 3 0
                                    


   Ao fim de uma estreita rua em uma manhã ensolarada no subúrbio carioca, vinha Santo, um humilde vendedor de plantas, com roupas simples e carregando sua carrocinha com mudas, até que se deparou com um menino lhe estendendo a mão e pedindo ajuda. Por ser muito bondoso até mesmo em um dia de trabalho pouco produtivo, não hesitou em dar um trocado ao garoto. Mas também, lhe entregou um vaso com uma pequena muda, dizendo:
-Sinto que tu tá passando por muita dificuldade, mas me ouça: quando sentir que não há mais esperança, olhe pra essa muda e imagine o quanto ela ainda pode crescer e florescer, assim como ainda vai vim muita coisa boa na sua vida. Cuide bem dela, garoto - assim, passou a mão em sua cabeça e continuou andando.
   Quando se aproximava de sua casa, sentiu um cheiro de queimado vindo de lá e logo, lembrou de um grande incêndio proposital que ocorrera há anos atrás na Casa de Umbanda de sua família, onde estava sendo celebrado um batismo. Foi nesse incêndio que uma parte da sua vida se foi juntamente com seus pais e amigos. Toda aquela vista trágica de fogo e morte foi tão traumática para Santo, que ele temia que isso fosse se repetir um dia. Por isso, pensando no pior, adentrou na sua casa para impedir uma tragédia, mas logo, foi rendido por quatro homens armados, que o obrigaram a destruir seu próprio altar sagrado, enquanto lhe apontavam armas. Santo sofria ao fazer aquilo e se culpava por tudo ter dado errado em sua vida. Logo após, foi empurrado no chão, agredido, ouvindo palavras como “preto macumbeiro” ou “coisa ruim” e ameaçado.
   Depois de um tempo caído, sem conseguir se mexer, ele se levantou e fugiu às pressas de sua própria casa, enquanto sentia olhares de desprezo das pessoas por onde passava e ainda, ouviu alguém falar:
-Isso é o que dá gente como essa fazer macumba.
   Era a mesma frase que ouvira há anos atrás de policiais que o renderam de forma brutal no meio da rua, enquanto ele escapava do grupo armado que havia incendiado o terreiro de sua família. Naquela época, Santo não sabia porque aqueles policiais estavam agindo daquela maneira, mas com o tempo, acabou percebendo a realidade de uma pessoa como ele no país em que vivia. Assim, como afrodescendente e praticante da umbanda, Santo era mais um na multidão de muitos que sofriam naquela mesma situação em uma nação com pessoas de mentes tão rasas e intolerantes às diferenças sociais.
   Santo, então, seguia sem rumo como a criança que um dia também vagava pelo Rio e havia perdido tudo e todos em um incêndio. Ao chegar no litoral, se aproximou de uma ponte com a vista para a praia e quando se preparava para pular, parou para observar o mar ao fundo e lembrou de quando havia ido parar ali - ainda criança – e previu um acidente com o dono de um dos bares à beira-mar. Assim, pois, o salvou antes do pior acontecer e este, grato pela atitude do garoto, lhe deu abrigo. Mas, pouco tempo depois adoeceu e, preocupado, decidiu perguntar ao menino:
-O que é que tu vai fazer da sua vida quando eu for embora, moleque? Como consegue vê o futuro dos outros se não vê nem mesmo o teu?
   Essa pergunta fez Santo pensar bastante sobre o que faria da sua vida. Dessa forma, como amava a natureza e tudo o que vinha dela, passou a vender plantas ao mesmo tempo que escondia suas verdadeiras crenças por medo do preconceito e assim, recebia pessoas doentes, tristes ou necessitadas em sua casa para ajudá-las. Depois de refletir um pouco sobre seu passado, então, resolveu se perguntar à beira da ponte:  
-“E agora?”.
   Enquanto observava o mar, ficou pensando sobre isso durante um tempo, até que finalmente, respirou fundo e falou para si mesmo:
-Eu vou vivendo!
   Santo estava totalmente devastado, mas apenas fez seguir adiante, assim como aquele garotinho de anos atrás que havia perdido tudo em um incêndio. Ao entrar em uma rua larga, ouviu uma música ao fundo que lhe parecia familiar e avistou uma forte luz vindo do mesmo lugar. Curioso, andou até lá e encontrou uma Casa de Umbanda, onde todos realizavam uma cerimônia de batismo. Nessa hora, ele já não temia mais nada e entrou, encantado em rever tudo aquilo. Logo, várias pessoas o receberam com um belo sorriso no rosto, deram as boas-vindas e o chamaram para se juntar a elas. Pela primeira vez desde criança, Santo se sentia livre e feliz de verdade e ali, nascia nele a esperança em dias melhores e uma força de resistência que o impulsionava a seguir em frente e lutar contra tudo e todos para ser quem realmente era.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 10, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

SantoOnde histórias criam vida. Descubra agora