Capítulo 03

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Manuela acordou antes do raiar do dia.

Seu sono não foi tão bom quanto ela gostaria, quando acordou sentiu seu corpo dolorido e percebeu que dormiu apenas 3 horas. Se revirou durante toda a noite, perturbada. Não sentia vontade nenhuma de se levantar do sofá, era como se não tivesse descansado nada, desde o dia anterior.

Ela encarou o rostinho delicado próximo ao seu, memorizando a perfeição dos traços, aproveitando o curto espaço de tempo que tinham para as duas. Em momentos como esse, ela sentia como se pudesse explodir, como se todo o amor do mundo estivesse dentro dela.

Se arrependia de algumas decisões erradas que tomou na vida, mas jamais se arrependeu de ter sua filha. Nunca, em nenhum momento, algo assim passou pela sua mente. Clara era um anjo que Deus enviou, para não deixá-la só no mundo. Tudo ganhou um novo sentido quando a segurou pela primeira vez em seus braços. A partir dali ela nunca mais foi a mesma. Por ela, Manuela sentia que podia matar, ou morrer. Era por ela também que batalhava dia atrás de dia, almejando um futuro melhor para as duas.

Ela se sentou, puxando as cobertas, querendo se arrumar silenciosamente antes que Dona Emília acordasse, mas seus planos foram frustrados assim que encostou os pés no chão, e escutou a porta do quarto ranger baixinho.

A senhora se aproximou com passos silenciosos, e estendeu uma toalha de banho rosa, ostentando um ligeiro sorriso.

— Bom dia menina, tome um banho pelo menos, já que vai ter que usar a roupa de ontem.

Manu pegou a toalha de suas mãos já delicadas pela idade, e sentiu um alívio ao pensar em tomar um banho antes de ir trabalhar. Ela agradeceu e não esperou mais, para fazer sua higiene matinal.

Depois do banho tomado e roupa ajeitada o melhor possível, encontrou dona Emília na cozinha, colocando uma xícara quente de café na mesa, e com uma vasilha na mão.

— Só tenho esses pães dormidos, filha, já que uma hora dessas não tem nada aberto ainda.

— São ótimos, Dona Emília, não preciso de mais nada - comentou, já se acomodando na pequena mesa. Cortou e passou margarina nos dois pãezinhos, quase gemendo quando deu a primeira mordida e seu estômago vazio agradeceu pela comida.

— Dormiu bem? - a Senhora perguntou, puxando a cadeira e se sentando à sua frente.

— Quase nada, apaguei quando deitei no sofá, mas no meio da madrugada acordei perturbada, e não consegui dormir mais.

— Você precisa esquecer o que viu minha menina, ficar remoendo não vai fazer bem.

— Eu sei que preciso Dona Emília - respondeu desanimada. — Mas quando começo a pensar no que aconteceu, não consigo afastar a imagem da minha cabeça.

Não muito tempo após de tomar o café da manhã, ela saiu para o trabalho, chegou no horário de costume, sem atrasos, mas não se sentia como a mesma pessoa de sempre, seu estômago enjoava, sentia o início de uma dor de cabeça, e havia um peso angustiante em cima dela, que ela sabia vir da própria consciência. Esse peso parecia pressionar seus ombros para baixo, e fazia com que ela quisesse chorar.

No caminho até ali, com a cabeça apoiada na janela do ônibus, e enquanto observava a paisagem e o movimento da cidade acordando lentamente com o nascer do sol, ela batalhou contra a sua consciência, que insistia em apontar que ela deveria fazer algo sobre o que vira.

Ela se sentia dividida entre a razão e o coração. Seu lado racional estava temeroso, e lhe dizia que ela não deveria fazer nada. Mas seu coração doía, quando pensava naquela mulher sendo levada, sabe-se Deus para onde, e se sentia mal ao imaginar o que ela poderia estar passando naquele exato momento, enquanto ela tinha o poder nas mãos, de quem sabe impedir que algo pior acontecesse, se ela contasse o que viu.

Minha salvaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora