Enquanto comia a marmita, sentada em um canto da cozinha, no seu tão almejado horário de almoço, Manuela viu quando Maria se aproximou devagar, e começou uma conversa aparentemente despretensiosa, que fez todos seus instintos se alvoroçarem em alerta.
— Muito triste esse caso da policial, não é? - pelo canto dos olhos, ela viu que a mulher a estudava atentamente.
— Aham - ela concordou, mal terminando de engolir, e já colocando outra garfada de comida na boca, usando o pretexto da boca cheia para não responder.
— Você acredita que vão achar ela?
— Tomara que sim - respondeu, evitando olhar na direção da outra, cobrindo a boca com a mão enquanto mastigava.
— Alguém deve saber de algo - Maria comentou.
Manuela se sentou um pouco mais rígida na cadeira, sentindo um gosto amargo na boca. De repente ela teve medo de saber aonde aquela conversa estava indo.
— Aham - ela concordou. — Alguém vai acabar denunciando - acrescentou, sentindo a palma da mão começar a suar contra o cabo plástico da colher.
— Verdade. Mas é um pouco difícil para eles, a repórter falou que a polícia recebe mais de 5 mil trotes por dia.
Seu coração despencou ao ouvir a outra, e ela parou de comer.
— Você acha? - perguntou, em um fio de voz
— Com certeza, ainda mais em um caso famoso como esse, aparecendo em todos os jornais.
Ela encarou a mesa, perdida em pensamentos, a comida esquecida naquele momento. Fazia muito sentido, era quase como se ela pudesse ver na sua frente, sua denúncia ignorada, perdida em meio a tantas outras ligações falsas.
— Preciso usar o banheiro - ela não deu chance para a outra argumentar, se levantou, já caminhando em direção ao pequeno banheiro de empregados.
"Meu Deus me dá uma luz, preciso fazer algo" - ela pensou agoniada, enquanto se encostava na porta do cubículo.
Suas divagações só obtiveram resposta, quando ela voltou para a cozinha, e encontrou Maria com os quadris escorados na bancada industrial da pia. A mulher assoprava um pequeno copo de café quente, entre os dedos.
O esboço de um plano passou rápido pela sua mente, e ela sorriu levemente para a outra, quando fingiu ter esquecido de pagar um boleto, e justificou precisar aproveitar o horário de almoço, antes da lotérica fechar.
Depressa ela pegou a bolsa no armarinho de funcionários, e quando passava pela entrada, abaixou no balde de lixo dos clientes, fingindo jogar um papel velho fora, ela discretamente pegou um dos copos descartados, daqueles que tinham tampa, e possuíam o nome da lanchonete na frente.
Ela cruzou o caminho que conhecia até a delegacia rapidamente, se esforçando para manter uma aparência calma, segurando firmemente o copo preso entre os dedos.
A aparência simples dela somada ao copo nas mãos, a fez passar por uma humilde entregadora de bebidas. Ela não chamou atenção mais do que necessária. Enquanto ela passava, os policiais não davam um segundo olhar em sua direção, voltando para seus assuntos que eram mais importantes do que ela, eles formavam alguns grupos de dois ou três, espalhados em volta da entrada da delegacia.
Havia também uma fila de viaturas e carros estacionados, em toda a avenida.
Nada do que pensou, e planejou a tinha preparada para a cena que ela encontrou quando entrou no prédio, a última vez que ela esteve no lugar, lembrou ter pensado que o lugar era tumultuoso, mas aquilo que via agora, para alguém que nem ela, que fugia de multidões, beirava o próprio inferno.
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Minha salvação
RomanceManuela Menezes é uma jovem mãe, forçada desde o início da gravidez a lidar sozinha com todas as adversidades da vida. Ela se sente perdida ao testemunhar um sequestro, e após fazer uma denúncia, teme pela sua vida, ao ter sua segurança e de sua fil...