Em alguns dias, Annabeth e eu conseguimos nos acostumar em uma rotina quase normal, isso se levarmos em consideração que não íamos a escola, matávamos monstros, e tínhamos aulas com homens-bode, árvores e O Quíron que treinou Aquiles, senhoras e senhores! Claro, se disséssemos isso para um mortal comum, de três, uma: ele acharia que estávamos tirando sarro, ou ele acharia que somos doidos, ou ele acharia muito legal e falaria que "quelo sir umi miio singui timbim" – leia com a voz mais insuportavelmente remedada que conseguir.
Já havia criado uma rotina no chalé de Hermes, que envolvia não deixar minhas coisas jogadas a menos que quisesse perdê-las – meus irmãos sabem tocar o terror -, estudar grego antigo com Annabeth, por que eu prometi que não ia deixar ela fazer aulas sozinhas, com Barbie dando tutoria para nós. Era consideravelmente mais fácil que o inglês, e a loirinha era bem legal. Tinha quinze anos, um ano mais velha que eu, e era engraçada e beleza, eu admito, ela era bonita para caramba! Annabeth em um dia já estava grudada nela como chiclete, e ao invés de achar ruim ou me chamar para tirar a criança de perto dela, ela fazia era se divertir, e eu juro que não tem NADA mais assustador do que ser usado de experimento de maquiagem para uma criança de sete anos, e eu AINDA não descobri como invadir o chalé 10 para roubar acetona que tira esse tal de "esmalte-que-não-sai-porém-sai-se-você-tiver-força-de-vontade-de-ficar-lascando-ele-e-irmãos-muito-chatos-que-ficam-enchendo-a-porcaria-do-saco". Tirando as unhas parcialmente cor-de-rosa-bubbaloo, eu realmente gostava daqui.
Eu tinha me descoberto surpreendentemente bom em esgrima, e sério, não quero ser modesto aqui, eu sou muito bom. Não sei se chego no que Dimas falou depois que desarmei ele, algo de "melhor nos últimos trezentos anos", mas se sou, ótimo para mim! As lutas? Sou razoável, embora os moleques de Ares sejam terríveis, e juro, aquele menino de Hefesto tem o punho muito pesado para um menino de onze anos (detalhe a parte: era só ter pedido a carteira de volta, não tinha necessidade de apelar para a violência). De resto eu era mediano, e não era exatamente nenhum grande super fã dos grupos de música e prática de instrumentos e colagem com macarrão que Annabeth estava fazendo parte. Os poucos momentos livres que eu tinha eu tentava fazer amizades, ou se sentar no pé do pinheiro de Thalia. Havia levando Annabeth lá uma vez, onde conseguimos chorar por Thalia em paz. As palavras de Halcyon Green ainda estavam carimbadas com fogo na minha mente, e eu repetia para Annabeth a história sempre que ela pedia. Thalia não estava morta.
E se fosse pensar, eu não estava sozinho de novo, como pensei que estaria se um dia Thalia me largasse. Eu tinha irmãos – Dimas, meu conselheiro, e Geoffrey, que era apenas campista de verão, e Manuel, que não falava inglês e tinha como missão pessoal zombar de todo campista americano dizendo que a América era um continente, e não um país. Babara estava no acampamento a bem pouco tempo – um mês a mais que eu – e ainda não tinha sido reclamada, e tinha Annabeth e Malcolm Pace – eu juro de pés juntos que esses dois são irmãos, são idênticos! – Lou Ellen, Clovis e demais filhos de Hypnos – só dormem – Butch Walker, filho de Iris... esse lugar é superlotado.
Barbara era de todos quem eu mais me identificava, já que por alguma razão além da compreensão humana a garota acalmava até os meninos de Ares, e eu não era muito diferente. Dimas fazia algumas piadas super esdrúxulas – palavra difícil do dia utilizada – sobre convidar ela para os fogos e essas coisas de "Eu shippo" e "ai, meu casal", se achando O Filhão De Afrodite, mas na boa... NOP! Era apenas legal ter uma amiga, era algo que eu estava acostumado, e companhia fazia falta, tanto que quando Annabeth não estava em alguma aula de desenho – ela era completamente viciada em desenhar prédios, tanto que já tinha o consenso geral de que ela era filha de Atena ou isso ou Nice, a menina tem uma competitividade surpreendente – eu passava boa parte do meu tempo com ela nos estábulos ou na praia, já que ela achava divertido apenas ficar lá.
Já deviam ser umas duas da madrugada quando eu me levantei, observando a zona que era aquele chalé e tentando descobrir alguma rota viável em direção ao banheiro. Já falei que o chalé de Hermes não tem corredor, ele tem lotes de chão que estão quase sempre ocupados? Então, lhes apresento lar doce lar, e foi obra dos deuses eu não ter caído em cima de Annabeth, tropeçado em Butch e dado de cara com a quina do beliche ao lado, cortado a testa e morrido de hemorragia. Sorte mesmo. Resumo da ópera: por maior que seja a fila do banheiro do seu chalé, se você tem mais do que três colegas de quarto, use no horário.
Sair do banheiro por alguma razão pareceu ainda mais complicado. Tentei me guiar, até notar que havia uma luz fraca rosada onde era meu beliche. Aparentemente, barbara estava acordada, talvez lendo, e tentei não fazer barulho quando cheguei na borda do beliche.
— Psss! Barbie, que foi? — Ela descobriu o rosto, colocando o brilho da lanterna no mais fraco. Um caderno estava aberto, e ela segurava um celular nas mãos, o que eu sabia que daria um problemão se Quíron descobrisse. Não podíamos ter celulares.
— Shiu! Quer acordar alguém? Eu... eu te empresto o celular quando quiser, só não denúncia! Só uso para emergências. — Subi a escada, rezando para meu pai ser útil que seja uma vez na vida e não me deixar ser visto. Ia dar uma encrenca... Barbie chegou para o lado, dando espaço, ligando a lanterna e iluminando o celular. Havia uma caligrafia bonitinha no alto. "áOl, uqla o use nmoe?" – ou era isso que parecia, já que eu sou disléxico, fazer o que, paciência. Embaixo, vários idiomas escritos, com uma frase ilegível diante, dessa vez por ter ou excesso de vogal ou de consoante.
— Calma, o que é isso? — ela mostrou o celular, aberto numa página azul e branca em um idioma que as letras estavam tão confusas que eu já estava questionando minha dislexia e jogando minhas cartas na miopia ou astigmatismo, porque não é POSSÍVEL!
— Eu estou tentando aprender a dizer "Olá, qual o seu nome?" em diferentes idiomas, já que nem todo mundo aqui chega falando inglês ou grego. É bom fazer os outros se sentirem bem vindos. Olha! Olá, qual o seu nome? — Aquela era definitivamente a língua mais enrolada que eu já ouvi em toda a minha vida e ela tinha muito, muito, MUITO sotaque, mas consegui dar um sorrisinho. A intenção era bonitinha.
— Espanhol? — ela negou, apontando com o lápis para a folha.
— Português. Falam em Portugal, Brasil... tem uns outros lugares também, não estou lembrando agora... — Consegui sorrir, me apoiando no braço enquanto ela continuava escrevendo. "Salut, quel est ton nom?", ou eu acho que é isso, a dislexia não ajuda. Devo ter ficado uns cinco minutos lá, antes de ouvir alguém tossir, o que fez ela abaixar o brilho da lanterna de novo e encarar o menino do outro lado.
— Acho que ele tem alergia ao lençol... Se ele acordar vou ver se ele quer uma pastilha para tosse, tenho algumas comigo. — Encarei o beliche mais alguns segundos. Vez ou outra alguém mexia ou chutava, e alguns no chão tiritavam de frio.
— Bem... eu... vou descendo, está bem? Não fique até muito tarde, hum... ah, é... você tem que descansar também... não que... temos aula amanhã cedo e... que eu ia dizer mesmo? — É assim que funciona a mente de uma pessoa com TDAH, parabéns para mim! Se ela jogasse a luz na minha cara, eu iria parecer um sinaleiro de tão vermelho que eu estava. Estou falando, digo e repito juradinho três vezes pelo rio Estige: Essa menina está brincando comigo! Só pode ser filha de Afrodite, porque eu estou muito esquisito! Já gaguejei assim perto de Thalia ou Annabeth? Não!
— Boa noite, Luke. Durma bem. — Ela sorriu, desligando a lanterna e enfiando o celular debaixo do travesseiro. Já estava com a cara no travesseiro quando virei para o lado, esperando ver Dimas já no decimo quinto sono, e juro que quase infartei quando o palerma do meu irmão estava encarando. Sem fazer o menor som, o palhaço sorriu, fazendo um coraçãozinho com as mãos e jogando beijos.
"Luke e Barbie debaixo de uma arvore se B-E-I-J-A-N-D-O". Já falei que meu irmão é um palhaço, provavelmente engoliu A Coisa antes de fazer graça? Mesmíssimo senso de humor deturpado de Richie Tozier!
Francamente, eu mereço?
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𝐀𝐏𝐇𝐑𝐎𝐃𝐈𝐓𝐄'𝐒 𝐂𝐔𝐑𝐒𝐄
FanfictionEm uma linhagem vinda desde o sangue de Helena de Tróia, há uma mulher considerada por todos que a conhecem a mais linda de sua geração. Uma linhagem diretamente amaldiçoada - ou abençoada - por Afrodite. Toda mulher nascida com esse sangue, é fadad...