Um.
Eve pensou que tinha finalmente enlouquecido. Sua mente parecia estar em standby desde que acordara do episódio em Roma e descobrira que tinha sobrevivido aos tiros. Uma parte dela tinha morrido aquele dia, outra morrera com Kenny, e ela estava morrendo de novo com a notícia de Niko ter se mandado para a Polônia.
Então era fácil supor que tinha finalmente enlouquecido quando ergueu os olhos do celular e viu Villanelle vindo em sua direção, apoiando-se nas barras do ônibus com um sorrisinho debochado nos lábios. Era bem mais fácil aceitar que estava maluca do que aceitar que ela estava ali.
− Oi, Eve. – Não, não tinha enlouquecido. Ela era real.
Dizem que a primeira reação é aquela que vale, e todas as partes de Eve que tinham morrido naqueles últimos meses decidiram voltar à vida de repente, fazendo-a se levantar e investir contra Villanelle, um grito de raiva e frustração rasgando sua garganta. A loura recuou com a investida, momentaneamente sem ação, e contentou-se em se proteger dos tapas e socos que Eve desferia, caminhando para trás até se desequilibrar contra um dos bancos do ônibus.
− Eu não vim aqui por você! – Villanelle tentou argumentar, mas um tapa que a atingiu diretamente no nariz a fez arregalar os olhos. Ok, já chega.
Muito maior que a morena, passou a empurrá-la para trás, ainda satisfeita em somente defender-se de seus ataques, o sorrisinho debochado retornando aos lábios. Villanelle empurrou Eve para o fundo do ônibus e pulou por cima de um dos bancos para derrubá-la sobre o outro, seus dedos se fechando no casaco de Eve.
O mundo parou naquele instante.
− Me cheire, Eve. Que cheiro eu tenho pra você? – De tudo que Villanelle poderia dizer, aquela era a frase mais absurda e inesperada de todas.
E combinava tanto com ela!
Com o peito arfando e os dedos firmemente sustentando Eve pelo casaco, elas nunca estiveram tão próximas, e a morena decidiu que aquela era a hora. Novamente, sua primeira reação foi a mais verdadeira de todas que ela poderia ter. Ergueu o rosto e chocou os lábios contra os da loura, mantendo os olhos abertos.
O beijo não foi suficiente para ela. A adrenalina a impediu de raciocinar e de sentir o gosto de Villanelle, e durou míseros segundos. Afinal, ela estava pendurada no ônibus com uma assassina em cima dela, na frente de vários passageiros. Não era o momento.
E ainda assim foi o momento perfeito.
O choque nas írises cor de mel de Villanelle fez tudo valer a pena. E assim que a guarda dela abaixou, Eve se lembrou de que deveria odiá-la. Deu uma cabeçada com toda a força que conseguiu reunir contra a loura, e a ouviu gemer de dor antes que lhe soltasse. Villanelle escalou o banco outra vez e saiu cambaleando pelo ônibus, a mão agarrada na testa, amaldiçoando o momento. No entanto, parou antes de descer e se virou para Eve, que continuava caída no chão.
− Venha comigo, Eve. Agora. –
Eve a encarou como se ela tivesse enlouquecido, e talvez fosse verdade. O brilho insano nos olhos de Villanelle lhe dizia que a loura poderia mudar de ideia sobre ser uma assassina de aluguel e decidir matar alguém ali dentro do ônibus, e isso era inviável.
Ela não era uma heroína, mas não deixaria mais ninguém morrer enquanto assistia.
Levantou-se e atravessou o ônibus, ignorando os olhares assustados e os murmúrios incompreensíveis dos demais passageiros, e desceu ao lado de Villanelle. No primeiro beco que encontrou, a loura a empurrou com força contra a parede, agarrando seu casaco outra vez.
Eve fez o mesmo movimento, agarrando o terno largo e comprido que Villanelle usava pelas lapelas, trazendo-a junto ao seu corpo. Ambas respiravam ruidosamente, e os olhos cor de mel da assassina continuavam brilhando com uma mistura de irritação e contentamento, como se ela não conseguisse se decidir o que sentir.
− Foi uma bela cabeçada. – Villanelle finalmente falou, seu sotaque carregado ainda mais evidente quando ela sussurrava. Eve trincou o maxilar e usou as mãos para empurrá-la para trás, mas a loura quase não se mexeu.
− Vá se foder, Villanelle. – Ela a empurrou de novo, desta vez de forma mais agressiva, e Villanelle soltou seu casaco para agarrar seus pulsos e os prendê-los contra a parede.
− Eu não vim aqui por você. – Repetiu outra vez, ainda atordoada com o fato de que Eve a tinha beijado. Eve a tinha beijado! – Tenho um trabalho em Londres. –
Eve bufou e parou de lutar para libertar os pulsos, sabendo que a outra era mais forte. Pelo menos, quando não estava distraída.
− Não? Então você casualmente subiu no ônibus que eu estava e decidiu caminhar na minha direção? – Esbravejou, jogando a cabeça para trás como se fosse tomar impulso para atingi-la de novo. Villanelle afastou o tronco, pensando na mesma coisa. – Vá se foder! –
− Pare com isso. Eu estou feliz por você estar viva, Eve. – A loura decidiu soltá-la e se afastou um passo, enfiando as mãos nos bolsos. Não estava mentindo. Quando descobriu que Eve tinha sobrevivido, seu mundo voltou a girar outra vez. Pelo menos, na velocidade normal.
− Como ousa? Você me deixou em Roma pra morrer! Tem ideia do que me fez passar nesses últimos meses? – Os olhos de Eve estavam marejados, mas não de tristeza ou pena de si mesma. De raiva. Nesses momentos ela se lembrava do quanto devia odiar Villanelle e como deveria prendê-la.
A loura não se abalou.
− Eu poderia ter atirado na sua cabeça. Devia ter atirado na sua cabeça. – Murmurou, estreitando os olhos para Eve e para sua linguagem corporal. O tronco dela estava estranhamente voltado para trás, um dos ombros mais baixo que o outro. Perguntou-se como seriam as cicatrizes de Eve, e tocou a própria cintura para sentir a cicatriz que agora lhe desenhava o quadril. – Mas, agora estamos quites. –
Eve jogou as mãos para o alto e sentiu vontade de atacá-la de novo. Como ela ousava?
− Quites? Me dê uma arma com duas balas e então estaremos na mesma página. – Eve se recostou na parede outra vez quando sentiu a cabeça girar. Tombou o tronco para frente e levou a mão ao rosto, vendo os dedos voltarem sujos de sangue. Seu nariz sangrava, provavelmente consequência da cabeçada em Villanelle.
− Você já teve uma arma apontada pra mim e não soube o que fazer com ela, Eve. – A loura comentou, como se explicasse algo à uma criança. Então se adiantou outra vez e segurou Eve pelos cotovelos, tombando o rosto para observá-la. – E agora você me beijou. –
Villanelle sorriu, mas não era seu curvar de lábios debochado. O beijo tinha sido uma das melhores surpresas de sua vida até o momento. Eve desviou o olhar, mas novamente agarrou as lapelas do terno cinza da outra, como se quisesse mantê-la ali.
− Só fiz isso para abaixar sua guarda. E funcionou. – Resmungou, sentindo os dedos tremerem com a força que fazia para se agarrar à loura. Villanelle a observou por um momento, fazendo bico com os lábios. Então desceu as mãos para a cintura de Eve e a empurrou contra a parede, ouvindo-a gemer de dor.
− Não acredito em você. – Villanelle a beijou, pressionando seu corpo contra o de Eve. Um dos joelhos se insinuou entre as pernas de Eve e ela fechou os olhos ao sentir a morena entreabrindo os lábios para permitir que sua língua entrasse. Villanelle a beijou como deveria ter feito há muito tempo, e como Eve deveria ter feito no ônibus.
De língua, de olhos fechados, e totalmente entregue.
Eve sentiu o corpo esquentar e suas mãos escorregaram pelo terno da outra, se encaixando em seu abdômen. Algum tempo depois, Villanelle quebrou o beijo e recostou a testa contra a da morena, sentindo a ligeira ardência na região.
− Você me quer, Eve. – Ela sorriu, vendo a outra estremecer contra seu corpo. – Me espere hoje à noite. –
Dito isso, Villanelle a soltou e se afastou do beco, deixando Eve ofegante e excitada, sentindo-se viva como não se sentia há séculos.
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Strange Effect
FanfictionPorque continuamos nos apaixonando por vilões? Eve sabia que deixar Villanelle entrar seria como tragar um cigarro depois de muito tempo sem fazê-lo. Ela o colocaria na boca com delicadeza, como se nunca tivesse experimentado, então tragaria até sen...