Acordo com uma forte luz branca em meus olhos, não sei se alguém está tentando me deixar cega ou se estou a caminho do céu. Provavelmente é a primeira opção. Meus olhos doem, sinto um gosto amargo, meu corpo está mole e minha cabeça dói tanto que acho que levei uma porrada.
Olho ao redor e estou em uma sala branca, há duas poltronas ao lado da onde estou deitada com uma jaqueta de couro em cima e uma mesa na ponta da minha maca. E só assim me dou conta de onde estou.
Olho minha roupa branca e larga como um vestido, não sei onde minha roupa foi parar, olho para o ambiente e não tenho ideia de como vim parar aqui. Não tenho ideia de muitas coisas no momento.
Tem um soro preso em meu braço e um blazer vermelho na outra poltrona, o blazer chamativo de Esther. Estou assustada.
A cabeça de Pedro aponta na porta e ele diz: "Ela acordou." Vem correndo em minha direção. Não tenho reação, estou grogue, lerda, raciocinando vagarosamente e entendendo muito pouco de tudo nesse momento.
"Meu Deus, Sarah, achei que você nunca fosse acordar."
"O-o que?..." Eu tenho uma tentativa de falar, mas minha garganta está mais seca que qualquer deserto.
Ele me entrega um copo de água e um homem alto vestindo um jaleco vem em minha direção, ele ajusta minha maca me sentando para que eu beba a água.
Meu pai, Esther e Enrico estão na sala, Laura também está e não entendo nada do que está acontecendo.
"Sarah Figueiredo, você está no hospital, chegou aqui hoje por volta de três e meia da manhã apresentando desmaio, desidratação e alto nível de álcool no organismo." Ele vai dizendo e eu vou acompanhando com meu subconsciente, só ele funciona nesse momento. Bebo a água e tusso um pouco, meu corpo dói, e minha cabeça vai explodir, tenho poucas memórias de ontem. Pedro está sentando na poltrona do meu lado segurando minha mão esquerda, Esther e Laura à direita, meu pai e Enrico estão de pé ao lado do médico, que me olha por cima dos óculos tornando a falar:
"A questão é que no início achamos que você apresentasse um quadro comum de coma alcoólico, mas fizemos exames de rotina e você apresentou outras substâncias em seu organismo, provavelmente foi o que te fez apagar."
Outras substâncias? Que outras? Começo a perceber que a coisa é um pouco mais séria do que achei que fosse.
"Tipo..." Sou interrompida pela minha tosse. Bebo mais um gole de água. "Tipo drogas?"
"Como drogas, mas preciso que você conte à mim e à seus responsáveis tudo o que se lembra, pode ser, Sarah?"
"Pode." Franzo o cenho, há algo sério acontecendo.
"Você sabe que pode deixar isso para depois não é, Sarah? Caso esteja cansada." Esther diz ao meu lado.
"No seu tempo." Meu pai e o médico dizem juntos. Nunca vi meu pai tão calmo diante de tamanha situação, acho que ele está em choque.
Não sou capaz de decifrar o olhar de Pedro dessa vez, é vago, envolto de culpa e arrependimento, vejo o abismo em seu olhar nesse momento. Não sei o que ele sente, nem pensa sobre isso, não sei muitas coisas nesse momento.
"Ok. Ah..." Todos me olham seriamente.
"Eu me lembro que saí de casa com Pedro, fomos à festa e lá nos afastamos." Ele aperta fortemente minha mão nesse momento, e acho que sei o que ele sente nesse momento.
Culpa.
"É...Nossa, é realmente muito difícil lembrar." Olho para o médico e para meu pai.
"É perfeitamente normal que tenha dificuldades em ter acesso à suas memórias recentes, mas é essencial que nos conte todos os detalhes que lembrar, Sarah." Ele me diz seriamente.
"Tudo bem..." Respiro fundo. "Lembro que alguém propôs um jogo de roleta, o qual nós bebemos muitos shots." Sei perfeitamente quem sugeriu esse jogo idiota e sei perfeitamente o porquê aceitei fazer parte. "Lembro que venci três rodadas, então bebi muito." Olho diretamente para o médico.
"Bebeu o quê e quanto? Você se lembra, Sarah?" Ele me olha e eu olho para meu pai, depois dessa a única certeza que tenho além da morte, é de que nunca mais irei sair de casa.
"Vodca, uns quatro shots por rodada e mais uns três ao vencer eu acho. Depois me lembro de subir as escadas com muita dificuldade, meu corpo parecia não querer me responder, cheguei ao banheiro e acho que vomitei depois de me olhar muito no espelho, me lembro disso agora. Depois disso minha memória apagou, não me lembro de quase nada, só de ouvir uns gritos e alguém caindo no chão." Olho para o médico que me observa atentamente.
Na verdade me lembro vagamente de discutir com Rafaela, mas não vou mencionar minha crise de ciúme.
Meu estômago embrulha quando me lembro de Arthur, beijei ele e depois fiz o que? Não sei, não sei quase nada.
E agora, José?
Agradeço à Drummond por tal expressão que se encaixa perfeitamente com esse momento da minha vida.
"Certo, Sarah, obrigado. Vou fazer mais alguns exames e se tudo correr bem amanhã você terá alta, é melhor que fique de observação essa noite." Ele diz e sai. Estou tentando absorver o tanto de informações que recebi nos últimos minutos, mas minha cabeça dói que é uma beleza.
"Filha, você quase me matou do coração, me prometa por favor que nunca mais irá beber do copo de um estranho ou bobear com o seu copo." Ele suspira.
"Vou buscar um café, você vem comigo Esther?" Ele olha diretamente para ela.
"Claro." Ela me olha. ''Estamos felizes que você está bem agora, querida.
"Qualquer coisa é só chamar." Ele diz e eu assinto.
Sobram eu, Pedro, Enrico e Laura no quarto.
"Alguém pode em nome de Cristo me explicar que merda aconteceu, e porque estou em uma cama de hospital com pessoas falando em drogas."
Olho para eles na esperança de uma explicação. Pedro permanece firme segurando minha mão e olhando algo vago, com um olhar perdido.
"Olha, Sarah, você nos deu um baita susto, eu também não entendo muito bem as peças do quebra cabeça, só sei que bebemos muito naquele jogo, depois você subiu para ir ao banheiro e estava demorando, então fui te procurar para ver se você não estava passando mal ou algo do tipo, e não te achei, aí fiquei nervosa e procurei em todos os cômodos até te achar no quarto com Arthur ao seu lado." Ela vai dizendo e percebo que está nervosa, suas mãos suam quando está nervosa.
"Aí te chamei mas você estava mal pra caramba, bem grogue, e fui tentar te levar, mas ele não deixou e me colocou para fora do quarto, o mais estranho é que ele parecia meio transtornado, então fui atrás do Pedro pra ver se ele te ajudava mas não achei, só achei Hugo que ficou furioso e arrombou a porta, bateu muito no Arthur e uma briga feia começou. Enrico entrou na briga também."
Os curativos no rosto dele estão explicados agora.
"Eu já estava meio bêbada, então tentei separar a briga porque Hugo estava realmente muito furioso e faria algo sem pensar naquele momento, todos estávamos muito bêbados. Mas Pedro chegou e te pegou no colo, aí você apagou. Consegui tirar o Enrico da briga e viemos todos direto para o hospital, eles não queriam, mas eu nunca vi ninguém desmaiar assim por causa de bebida, e olha que eu já tomei belos porres." Ela suspira. E eu não sou capaz de obter uma reação nesse momento.
"Ligamos para seu pai e Esther, e eu fui para casa depois disso, mas Pedro e seu pai dormiram aqui com você. Olha, sei que é muito para assimilar, porque aconteceu tudo muito rápido, ficamos bêbados muito rápido com aquela brincadeira, depois briga, desmaio, hospital, foi muita coisa ao mesmo tempo, o que não entendo, é que seus exames dizem que há drogas em seu organismo, mas ficamos bem longe de qualquer tipo de drogas ontem." Ela me olha preocupada.
"Eu entendo muito bem, ela estava sozinha em um quarto trancado com Arthur, ainda por cima bêbada, não acha estranho?" Ele olha para Laura com um semblante sério.
"E claro que eu acho, mas por que ele drogaria a Sarah? Só para poder ficar com ela? Eu nem vejo ele ficando com meninas, achei até que fosse gay."
"Só sei que boas intenções ele não tinha."
Meu Deus. É muito para assimilar, não consigo me expressar diante disso. Um silêncio absoluto se instala sobre o ambiente. Talvez Laura esteja se sentindo culpada por deixar sua amiga ser drogada, talvez Pedro se sinta culpado também por não estar comigo, mas a questão é que nenhum deles têm culpa da maldade alheia, drogar uma pessoa para qualquer que seja a intenção é maldade, não existe boa intenção nisso. Acho que é disso que a maioria dos pais temem em relação à seus filhos, a maldade alheia, porque não estamos imunes a isso, não importa se nossos pais nos aceitam como somos, se nossos pais aprovam nossas opções sexuais ou se nos incentivam a sermos corajosos, no final de tudo, na vida real, estamos expostos a tal maldade. Homossexuais ainda sofrem preconceito por esse mundo duro e cruel, pessoas ainda sofrem racismo, mulheres ainda morrem por serem mulheres e pessoas são facilmente assassinadas por estarem no lugar errado e na hora errada, talvez seja uma mira errada, uma suposição ou um mau entendido, mas depois da morte, não há como desfazer o feito. Essa é a maldade do mundo lá fora a qual nossos pais temem tanto. O mundo real é assustador, é perverso, maldoso e calculista. Não sei muito bem como, aos dezessete anos, lidar com tais e tantas questões, mas elas me assustam, e muito.
"Vou tomar um café, você vem, Enrico?" "vou."
Enrico entrelaça o braço em Laura. Pedro se levanta e para diante de mim, seu olhar é diferente de tantos que eu já decifrei, é como se ele não conseguisse me olhar. Honestamente, não sei se quero olha-lo tão cedo. "Sarah, eu realmente não sei que merda dizer, eu deveria estar ao seu lado, você não conhece aquelas pessoas, não sabe como elas são, eu...Eu deveria ter ficado ao seu lado." ''Deveria."
"Por que raios você bebeu tanto, Sarah?"
"Porque vi você com a Rafaela conversando. Achei que vocês estivessem ficando."
"O-o que? Você está brincando comigo?"
"O que você queria que eu pensasse?"
"Qualquer coisa menos isso. Eu não entendo Sarah, o que mais eu tenho que fazer para provar que gosto de você e que quero ficar só com você?"
"Então o que você estava fazendo com ela?"
"Estava dizendo para parar de mandar mensagens porque estou com você. Disse à ela que não rola mais nada entre nós porque estou com você."
Por isso ela disse que foi descartada, por isso tanta raiva de mim. Meu Deus, me sinto péssima.
"Depois disso tirei Enrico de uma briga, assim que soube de você fui correndo, eu juro, não há ninguém além de você que eu queira ficar. Por favor, Sarah, eu nem encostei nela, acredita em mim."
"Eu acredito."
"Sabe que não gosto dela, não é? Que ela te diz essas coisas porque tem raiva, sabe disso não sabe?"
"Sei."
"Ver você naquele estado em meu colo quase me matou do coração, eu vi seu vestido levantado, sei que ele teria feito algo se alguém não chegasse antes."
"Desculpe, deveria ter te perguntado antes, ter conversado antes, mas eu já tinha bebido um pouco e ver você ao lado dela me deixou com raiva, eu não pensei no que estava fazendo, nem quando bebi toda aquela bebida e nem quando beijei ele."
Disparo.
"Você o que?"
Ai papi.
"Eu..desculpe, eu não sabia."
"Meu Deus, Sarah."
Ele não me olha nos olhos e sai do quarto, aparentemente transtornado.
Por que raios eu bebi tanto? Por que raios não conversei com ele antes? Por que raios saí de casa ontem?
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Inefável
Roman d'amour"Dizem que as cartas de amor, se há amor, são ridículas. Mas eu escreveria centenas delas para que você se sinta amada." Ele me tira o ar, provoca em mim sentimentos e sensações das quais nunca senti na vida. Ele me traga como as ondas do mar traga...