Fogo e fúria.

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A dor o envolveu, aguda, terrível e assustadora, o corpo tremeu diante o calor que subiu das ferragens, engrenagens e das pedras que ainda caiam ao redor na encosta rochosa onde o carro estava precariamente amparado por um tronco de árvore grossa.

-Oh Deus...Onde estou?

Olhos muito azuis com filamentos vermelhos de sangue olharam para cima, vendo um céu nublado, folhas e mais nada, a dor o impedia de pensar, mas havia ali uma dor pior que todas as outras, a perda, o desespero.

-Sophia!Sophia!!

Com imenso esforço olhou em volta procurando algo...Uma garotinha pequena, se lembrava vagamente de olhos azuis e um sorriso de covinhas, cachinhos castanhos emoldurando um lindo rostinho corado, laços de fitas vermelhas nos cabelos e uma boneca de pano remendada e velha, mas muito amada...

-Natálie...Disse o homem lembrando-se do nome da boneca.

Mas a dor veio lancinante e ele gritou, ouviu o som de sirenes, pessoas e gritos, alguém ou muitos o chamavam, mas ele não era mais capaz de responder, um líquido espesso e escuro descia de sua cabeça, era o mesmo que escorria de sua perna direita presa em ferros que ele não sabia como a haviam transpassado, sabia que era sangue, mesmo sem conseguir compreender, pouco a pouco sua mente se enevoava, cada vez mais distante, apagando o rostinho sorridente pelo qual sofria neste momento, apagando a boneca de pano velha e macia nos braços pequenos e roliços...

Ele ainda viu um bombeiro o chamando e sentiu quando mãos muito fortes o puxaram de dentro daquele caixão de ferro e pedras, podia ouvir o desespero do homem informando aos gritos que o carro iria explodir e pode até mesmo sentir o calor das chamas muito próximas ao seu corpo, mas depois veio o silêncio e a escuridão e num último pensamento conseguiu sussurrar baixinho...

-Sophia...

O médico falava num tom metódico e levemente baixo, na cama ao lado ligado ainda a monitores e aparelhos um corpo pequeno muito ferido dormia e o homem que estava observando este pequeno corpo suspirava mal acreditando no que ouvia.

-Harry...Achamos a carteira de motorista dele e alguns pertences pessoais, entre eles um anel com o brasão de sua família...É ele, mesmo que esteja tão ferido que seja impossível acreditar neste momento.

O homem pegou os pertences que o médico lhe dava envoltos em um saco plástico transparente, abriu e os olhou melancolicamente, mas já sabia, lógico que sim, o homem pequeno e ferido na cama era seu marido, ou seu ex marido, o cara por quem ele se apaixonou perdidamente e por quem lutou, aquele a quem amou acima de todos, mesmo de seu pai.

-É ele...E este é meu anel, fazia parte das jóias que ele roubou no dia que desapareceu de minha propriedade, mas já faz um ano, porque ele voltou agora? Por que fez isso? Perguntou Harry colocando o anel em seu dedo média e suspirando pela décima vez.

-Não sei, não havia mais nada no carro, pelo menos é o que a polícia me disse, parece que o fogo consumiu o veículo por horas e só restou um monte de ferro preto retorcido, mas é incrível que ele sobreviveu, realmente inacreditável! Com tantos ferimentos ele ainda estava consciente quando foi resgatado e falou algo ao socorrista, mas não sei ao certo o que era.

Harry olhou na cama e depois olhou para o médico, seu mais antigo amigo, sentia-se estúpido por ainda estar aliviado, por saber que seu ex marido respirava, ainda que por aparelhos.

-Ele me roubou, me abandonou e me traiu e eu ainda penso nele todos os dias...Sou muito estúpido.

-Liam...Porque ele voltou depois de tudo? Certamente ele sabia que a polícia o estava procurando! Um ano!! Já faz um ano que ele fugiu, porque tinha que voltar? Será que ele não me viu sofrer o suficiente?

Liam deu um tapinha no ombro de Harry, ele o amava como a um irmão mais velho, era doloroso ver como ele sofreu, mas agora podiam ter respostas, isso se Edgar sobrevivesse.

-Se ele sobreviver podemos descobrir e você pode ter suas jóias de volta, seu pai pode finalmente te perdoar...O velho ainda está muito zangado com suas escolhas e raramente o vejo sorrir, mas quem sabe depois que as jóias regressarem a família ele fique bem?

Harry fungou, os olhos cheios de lágrimas de puro ódio.

-As jóias valem uma fortuna incalculável, mas eu sou muito rico, é um valor meramente sentimental para mim e meu pai odiava Edgar por muitos outros motivos, o roubo só agravou sua raiva e seu rancor por eu ter me casado com um homem e não com uma bela mulher escolhida a dedo. Mas se ele despertar deste coma, se ele sobreviver eu vou querer minhas jóias de volta, vou transformar a vida dele em um inferno como ele nunca imaginou e vou ter minha vingança por tudo que ele me fez passar.

Liam suspirou, isso seria muito ruim, realmente muito ruim.

-O quadro não é bom, perfuração do pulmão direito, lacerações múltiplas, a perna direita está bem ruim e ouve um comprometimento da coluna...Se ele sobreviver pode nunca mais andar.

Harry sentiu a dor no peito e a jogou longe, não iria sofrer por ele...Não de novo, nunca mais.

-E o rosto? É possível recupera-lo?

Liam pensou longamente antes de responder.

-A prioridade é a vida dele, mas estou conversando com um médico cirurgião plástico muito renomado, ele pode vir está semana se o quadro clínico se estabilizar, ele acha que é possível recuperar sim, os cortes do vidro do carro foram extensos, mas a medicina está muito evoluída e ele crê ser possível deixa-lo como antes, mas isso seria muito caro, realmente faria isso por ele?

Harry concordou.

-Ele me deve muito, mas eu quero que me deva ainda mais, não importa o dinheiro apenas faça o seu melhor, contrate os melhores cirurgiões plásticos, ele pode não andar mais, porém eu o quero tão belo como antes...Quero sua beleza enclausurada em minhas mãos, eu serei dono dele afinal de contas, em todos os sentidos.

Liam se arrepiou, mas concordou e dali em diante uma batalha começou...A vida de Edgar Styles estava por um fio e mesmo que ele se recuperasse teria uma maior ainda pela frente, ele iria enfrentar a fúria de Harry Styles e todo o ódio de uma família e uma cidadezinha, neste ponto o médico teve pena do jovem que dormia pacificamente em seu sono artificial.

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