MICHELLE

20

— Onde você estava com a cabeça?! — Camila esbravejou trancando a porta atrás de si. Michelle se virou para dar a ela um olhar de desprezo. Estava entediada com todo o sermão que escutou no caminho até a casa. Não sabia como Lauren  era capaz de aturar uma esposa assim, ela já a teria sufocado até a morte.

— Ela compartilha do que eu sinto.— explicou mesmo sabendo que Camila não entederia. A outra rolou os olhos e respirou fundo tentando nesse momento não pegar o faqueiro que acabara de retirar das caixas e cortar o pescoço daquele ser que assumira o corpo de sua esposa.

— Você não deveria estar aqui.

— E onde mais eu deveria estar Camila?— esticou uma das sobrancelhas e se sentou na única cadeira que não estava sendo suporte para caixas da mudança.

— No inferno talvez.— sugeriu fazendo Michelle rir.

— Eu já te avisei, vou ficar, está na minha hora.

Camila respirou duas, três vezes e cruzou os braços, pensou em milhares de maneiras de tirar ela à força daquele corpo, mas acabou pensando que isso mais uma vez machucaria quem ela ama. Querendo ou não Michelle está no corpo de sua esposa, não há o que fazer, não há por onde escapar, o único jeito é...

— Tudo bem.— disse por fim deixando Michelle surpresa.

— Pensei que você seria mais insistente.— ironizou com um sorriso.

— Quer saber? Estou cansada, ainda tenho que guardar tudo isso.— e apontou para a bagunça ao seu redor.— Não tenho tempo para lidar com você, se quiser vá para aquele jantar e avise que eu não estou me sentindo bem. Só me faça o favor de fingir que sou sua esposa.

E dando as costas ela subiu as escadas para o andar de cima deixando a de olhos verdes sem palavras ainda sentada.

A noite não demorou para chegar aquele dia e Camila já dormia em um colchão no chão, estava dominada pelo cansaço e de verdade faria qualquer coisa para não ter que lidar com a mulher que estava morando com ela agora. Mal podia esperar para o tempo de Michelle acabar e Lauren finalmente voltar. Pelo menos ela acreditava que isso aconteceria em algum momento próximo…

Entediada com o fato de que sua presença não estava mais afetando a esposa do seu outro lado, Michelle decidiu vestir um casaco e sair na noite fria. Corujas chirriavam nas árvores e a lua iluminava as plantações verdes, ela fechou a porta atrás de si e desceu as escadas de madeira com pressa, o desgraus rangeram e o vento forte cortou seu rosto, mas ela não se incomodou.

Pensou por alguns minutos em seguir o caminho em direção a casinha velha do outro lado das cercas, viu as luzes acesas e decidiu por fim seguir em frente.

(…)

A família de Courtney era pequena, mas solidária, o McCullers sorriram ao servir a simples comida. Um assado, batatas amassadas, salada de tomate e molho, um molho delicioso e bem apimentado. O suco foi feito com as maçãs colhidas e a sobremesa não passava de um belo bolo de cenoura doce e macio.

Na maior parte do tempo Michelle se manteve em silêncio, bem comportada, se Camila a visse assim ficaria em choque. Só falava quando lhe era dirigida a palavra.

— Vi ela carregar caixas todos os dias.— a mãe de Courtney comentava quando a ausência da esposa de Michelle foi levada para a mesa.— Deve estar exausta!

Os outros cederam por compaixão, os avós da menina não pareciam tão velhos como se era imaginado, muito pelo contrário, não pareciam passar dos cinquenta, a mãe também aparentava ser bem jovem, tinha um belo sorriso branco e um nariz arrebitado igual da menina. Todos compartilhavam uma cabeleleira amarelada, menos o avô, o cabelo cortado rente já era quase todo branco, mesmo assim não tinha nenhuma ruga no rosto. Uma ótima genética, talvez seja a vida no campo que os leve a isso.