42 - treino

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Aproveito a viagem.

E é quando reparo que faz muito tempo desde a última vez que andei de carro. Uns quatro anos atrás, eu acho, quando Franco começou a me levar para trabalhar para ele como estagiário. Também não era muito comum e à medida do tempo passava a se tornar mais raro. Até que me dei por conta e entendi que nunca mais aconteceria, que não deveria esperar. Antes disso, só com meus pais, quando eu era apenas uma criança normal.

A nota que hoje faço é que existe uma discrepância enorme de andar de carro e pegar um ônibus. É mais intenso e mais confortável. Com quatorze anos, eu não sentia muito a parte da intensidade, mas agora, com dezoito, é a melhor parte. O jipe não tem capô, e eu deixo meu braço direito para fora e sinto o vento em meu rosto. Com Franco, sem dúvida não era desse jeito, afinal, estávamos indo ao trabalho e aqui, estamos indo a um passeio, a um treino.

Uma sensação de liberdade me invade totalmente. Paul põe uma música que combina com o tempo e Filipe começa a cantar. Caleu fica menos pretensioso e um pouco mais amigável. Eu me esqueço de forma voluntária que não tem nenhum mal acontecendo à minha volta. Empenho-me em afastar as memórias de George, prisioneiro em algum lugar da cidade, de Karine e sua parte da história misteriosa que tem a ver comigo, de meus poderes se manifestando e de toda a trama que sinto que estou prestes a descobrir. Só não relaxo a ponto de deixar meu compromisso com Ceifeiro mais tarde passar batido.

Paul não acessa as avenidas principais, a essa hora com certeza engarrafadas, antes vira em ruas cada vez mais pacatas até estarmos viajando numa rodovia do lado da Muralha. Observo. Idealizadores que verificam toda hora a barreira andam de lá para cá fazendo anotações e medindo condições em seus aparelhos eletrônicos. A estrada não está literalmente do lado da Muralha, ainda há uns vinte metros nos dá larga calçada onde ficam concentradas as instalações de segurança. Militares protegem os dispositivos que ativam a barreira da Muralha, além de várias outras formas de segurança que reduzem a probabilidade de invasão a quase 20%. Eu não sou nenhum cientista, não faço ideia de como se dá o procedimento, no entanto sei que cada pequena parcimônia de todo o sistema é fundamental e imprescindível.

Paro de pensar na Muralha e me viro para falar com Filipe.

- Como vai ser esse treino?

- Nós treinaremos as nossas habilidades especiais junto com o combate corpo a corpo. Pense em um treino comum, só que, lutando para valer.

Não sei o que ele quer dizer com isso, mas penso em um treino um pouco menos parecido com o normal que tenho, batalhando com um inimigo invisível ou com bonecos. Eventualmente consigo lutar com Ceifeiro ou treinar tiro ao alvo com Balístico, mas no geral tenho que me virar sozinho. "Lutar para valer" parece ser mais bacana.

Talvez eu possa encarar como se estivesse na frente de batalha. Lutando com os homens de Strike novamente, só que realizando uma performance bem mais apreciável do que quando eu era apenas um civil.

A viagem continua. Cortamos a parte sul da cidade e avançamos para a parte leste, passando por um bairrozinho pobre e depois por vários terrenos baldios próximos a bosques. Não dura muito tempo, e a adrenalina não baixa em minhas veias. Tento ver tudo ao mesmo tempo mesmo com Paul indo a cem por hora e me frustro. Tudo é um borrão.

Filipe está cantarolando a sexta ou sétima canção quando finalmente desaceleramos, depois de ficar um bom tempo observando apenas mato. Quando noto, estamos em uma espécie de fazenda distante de tudo. Ainda posso ver os prédios da cidade, mas mensuro que eles estejam a mais de vinte quilômetros de distância. Paul meio que estaciona na grama a poucos metros da estrada. Nós fazemos o resto do percurso a pé, nos dirigindo a um celeiro distante.

Máscara Negra - ImpactoOnde histórias criam vida. Descubra agora