7.1 - Abutre

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   Nessas primeiras horas da manhã, a Junção assume uma qualidade estranha.

Há lugares aqui onde você pode ir para conseguir qualquer coisa. Serviços estranhos - leitura mental, vigilância sobrenatural, proteção Extraordinária. Sexo esquisito e drogas esquisitas e pedidos esquisitos. Quer que algum trabalho desagradável seja feito? Um homem com poder de invisibilidade pode ajudar. Quer contrabandear a si mesmo para o exterior? Um ilusionista pode facilmente colocá-lo num navio de containers.

Qualquer coisa que você queira, não importa o quão estranha, a Junção consegue providenciar.

Precisa saber como pedir, no entanto. A Junção tem que ser cuidadosamente abordada; beco por beco, canto por canto. E quando você consegue dizer qual parte pertence a Madame Yuri e qual pertence aos Trevos, quando consegue prever que gangue vai conseguir que os policiais corruptos façam o favor de transportar drogas através da fronteira, quando consegue ver quem está fazendo que golpe e com que intuito a um quilômetro de distância - aí  você consegue jogar com a Junção como se fosse um brinquedo.

Espalhar seus segredos. Vender seu conhecimento.

As coisas mudam todos os dias nessa parte da cidade. A vida é uma constante roleta, imprevisibilidade é o padrão de seu ritmo. Desvie o olhar por uma hora que seja e você se perde em meio ao turbilhão.

Taehyung tem estado afastado por um bom tempo. Mais de dois anos.

Aqueles que o conhecem o encaram com surpresa. Os que não, observam com curiosidade. Ele não para para falar, não olha para nenhum dos lados. Se mantém na lateral da estrada e anda para frente.

A casa de penhores fica enfurnada numa esquina. É um cruzamentozinho estranho, no canto tortuoso de uma rua alinhada com prédios - e uma loja de conveniência encardida na frente dela. Um sino toca quando Kim entra, estridente e doce. Ele estremece com o som. Tudo é alto e brilhante depois da longa escuridão.

-Oi - ele chama, animadamente - Tem alguém aí?

O homem que enfia a cabeça para fora do cômodo dos fundos não é o mesmo que costumava administrar esse lugar. Não é muito surpreendente. As coisas mudam rápido demais na Junção.

-Posso te ajudar?

Taehyung descansa as palmas sobre o balcão.

-Eu mantive um item guardado aqui. Gostaria de pegá-lo de volta. É um cofre na parte de trás, prateado, marcado com o número 38.

O homem o encara com curiosidade.

-Starling? - pergunta.

Kim dá de ombros e sorri. No período de tempo em que espera pelo sujeito, Taehyung desliza um dedo de forma distraída no sinal de sua cicatriz. O Talon desapareceu - obviamente -, mas a marca permanece. Ele tem uma lembrança fraca da dor daquele procedimento. Não importa quem o fez. Um homem sem rosto e sem nome, um entre muitos.

-Você tem a chave?

-Eu tenho, obrigada.

Ele não a tem. O que aquele homem possui como habilidade, porém, é o tipo de magnetismo que consegue curvar e dobrar metal. Útil, Kim pensa, e conveniente. Sorri e finge inspecionar a caixa ao que se estica, rapidamente, para roubar um pouco.

Ele nunca foi capaz de explicar isso direito, a imitação. Pensa nisso como o ato de pegar algo emprestado, físico e tangível, só que só é físico em outro mundo. Uma dimensão diferente. É como se ele caminhasse para fora desse mundo - com seus sons e cheiros e clima e vistas - até um outro, fino e como origami, um mundo de papel onde as únicas coisas em que pode tocar são habilidades, e pensamentos e memórias.

MurmurationOnde histórias criam vida. Descubra agora