Prólogo

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Maria Luíza


Quero poder marcar na minha agenda o dia em que não passarei correndo por esses corredores.

Fala sério, penso e digo isso há quatro anos e nada mudou. Duvido muito que em meu último semestre da graduação isso vai alterar. Paciência também, se não mudou é porque não está atrapalhando.

Aperto junto ao meu corpo minha pasta.

Os dois livros que peguei na biblioteca para ler durante as férias da faculdade são pesados demais, mas com uma leitura tão gostosa e interessante que fiquei envolvida nos raros momentos livres que tive para ler.

Para uma leitora viciada como eu, ficar sem alimentar o vício durante mais momentos é uma tristeza, mas a vida é como tem que ser e tudo ao seu tempo. Quando tudo estiver assentado na minha vida profissional e pessoal, espero ter muito tempo para gozar de leituras prazerosas.

Voltando aos meus passos apressados... Detesto atrasos, mas em grande parte das vezes as coisas vão se enrolando e nossas vontades são soterradas pelos acontecimentos, pela vida e os imprevistos. Caminho para sala tentando justificar o meu atraso de dez minutos.

Os corredores ainda estão lotados de pessoas comemorando a volta às aulas e contando sobre as novidades, esfregando na minha cara que quase ninguém se importa com atraso no primeiro dia de aula.

Mas, como diz a minha mãe, eu não sou todo mundo. Tudo bem, não é nesse sentido, todavia se encaixa. Sou certinha além da conta e ninguém se cobra tanto quanto faço comigo mesma.

Entro na sala e sento sempre na primeira cadeira do lado esquerdo ao do professor. Carrego essa mania desde o ensino fundamental, então por que mudaria agora?

Nem me surpreendo ao ver poucos alunos em sala. Confiro o relógio mais uma vez, sete e meia da manhã.

Os alunos vão chegando e cumprimentando os que já estão em sala e o volume das vozes no ambiente começa a aumentar aos poucos, com risos, fofocas, implicâncias e ansiedade pelo que virá nesse último período da faculdade.

Todo início de semestre vem um filme na cabeça. Quando eu era criança e me perguntavam o que faria quando adulta sempre respondia que trabalharia no negócio dos meus pais para ajudá-los. Não deixei de fazer isso. Só que diferentemente do que eu havia definido para mim, pensando ser o melhor, meus pais tinham planos diferentes.

Graças a Deus por isso!

Vivíamos sempre no aperto, agora que as coisas estão mais tranquilas. Minha mãe trabalhava como servente numa escola particular muito conceituada e meu pai toda vida tocou um trailer com lanches no Centro da cidade, perto de vários prédios executivos. Estudei a vida toda com bolsa de estudos por minha mãe trabalhar na escola.

Não via um futuro como os dos meus colegas de classe que sonhavam com medicina, engenharia, direito e por aí seguia. Sempre saía da escola e ia ajudar meu pai no trailer. Mantive escondida a paixão por psicologia e no ensino médio estudava na biblioteca vários livros sobre essa área.

A bibliotecária contou para a minha mãe e ela manteve isso em sigilo até chegar o momento das inscrições para os vestibulares. Dona Renata é danada. Chegou um dia em casa com panfletos de vestibulares de faculdade públicas e disse que era para me inscrever. Quebrou um porquinho que guardávamos para comprar algo legal no fim do ano e disse que seria para pagarmos as inscrições.

Eu não tinha dúvidas quanto a área que queria seguir. No entanto, tinha sobre o fato de se era certo ou não me dedicar aos estudos, enquanto os meus pais se matavam de trabalhar. Aí pensava que meu estudo poderia render boas coisas no futuro. Tenho a tendência quase irritante de tentar tirar coisas boas de tudo.

Enfim, no fim das contas, fiz as inscrições e deu certo! Passei para duas universidades públicas. Escolhi a estadual por ser mais perto de casa e cá estou começando mais um período. O último, pelo menos dessa graduação, pois quando a situação estabilizar pretendo continuar estudando.

Impossível não temer o que o futuro me reserva, mas não posso deixar que o medo do imprevisível me faça parar.

Sorrio ao ver uma professora querida passar pela porta e nos cumprimentar.

— Preparados para mais um semestre de aprendizado e preparação para se tornarem os melhores profissionais que puderem ser?

Um coro animado grita sim.

Respiro fundo, pego as minhas folhas e volto todo o meu foco para a aula. A dúvida é quase intrínseca ao ser humano, não acho que seja algo ruim. Dúvida na maioria das vezes remete a opções, decisões e uma aposta.

Viver é um risco e precisamos estar preparados para encarar as consequências, sejam boas ou não.

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