Capítulo 3- O Barão

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Na tarde daquele mesmo dia fui pisando duro à praça em que o Moon me deu aquele pedaço de livro. Quanta audácia! Entregar para alguém um livro sem final! Provavelmente aquele gato preguiçoso não devia estar longe. Então procurei embaixo das árvores, em cima dos bancos, entre os brinquedos do parquinho mas nada dele. Tentei me lembrar de onde exatamente eu estava quando vi o Moon pela primeira vez. Andando dois quarteirões pensei ter achado a loja na qual eu estava em frente quando ele resolveu fazer sua misteriosa aparição. Não havia nem sinal dele em nenhum lugar. Resolvi voltar para a praça.

Talvez tentar achar um gato em plena Tóquio tenha sido uma ideia um tanto boba, todos para quem eu perguntava tinham visto gatos mas não tinham reparado neles. Subi em um trepa-trepa e me pendurei de cabeça para baixo. Toda vez que eu faço isso eu me lembro porque eu nunca faço isso, o excesso de fluxo sanguíneo na cabeça não me faz bem. Porém dessa vez foi extremamente útil fazê-lo. Do outro lado da rua havia um restaurante com mesas do lado de fora e eu avistei um grande monte branco de pelos esparramado em uma das cadeiras.

Não havia a menor dúvida: era o Moon. Aproximei-me dele radiante. Disse para ele que tinha um problema e ia precisar da ajuda dele, mas aquele bichento continuou me ignorando, virado de costas para mim. Ouvi então o som de um ronco e percebi que ele estava dormindo, um sono bem profundo. Resolvi cutucar a barriga dele para que ele acordasse. Ele levou um baita susto, deu um salto para fora da cadeira e soltou um miado alto e agudo. Eu me assustei também e cai sentada no chão duro de concreto.

一 Você está doida, garota? 一 ele perguntou muito irritado.

一 Não. Mas se não me levar até Barão posso ficar bem doida. Preciso pedir a ele que me devolva o que roubou.- retruquei com o mesmo tom.

一 Não vou te levar.-disse ele subindo de novo e se aconchegando na cadeira.

一 Onde ele está? Moon, acorde! Cadê o resto da história? Moon, por favor!

一 Você não tem nada melhor para fazer, menina, ao invés de perturbar um gato que está quieto no seu canto? Aproveite as férias escolares e sei lá, brinque com suas bonecas.

一 Não sou mais criança para brincar de bonecas. Moon, isso é muito importante para mim! Preciso da sua ajuda. Foi você que me entregou aquela história sem final! A culpa é sua também.

一 Não posso fazer isso. Ele vai ficar bravo, vai arrancar minha orelha fora se eu levar uma garota até ele.

Eu estremeci, mais de empolgação do que de medo. Então eu teria que lidar com um vilão como os das histórias?

一 Ele é cruel assim? 一 perguntei com os olhos arregalados.

一 Muito mais cruel do que você pode imaginar.- ele parecia um pouco empolgado - Ele é perverso, mora em uma mansão cheia de ratos e morcegos, tranca seus prisioneiros no porão. Se ele vir você nem sei o que pode acontecer, ele odeia garotas então é melhor você ficar bem lon...

一 Quero conhecer ele. 一 declarei com convicção.

一 Você é ainda mais doida do que eu pensava. -一 reclamou decepcionado por não ter me assustado.

一 Eu não usaria essa palavra. Curiosa é melhor.

一 Que seja.一 retrucou saltando da cadeira e procurando se afastar de mim. 一 Me deixe em paz, menina.

Eu o segui. Estava determinada a segui-lo para onde ele fosse.

一 Existe alguma chance, mesmo que pequena, de você desistir?

Balancei a cabeça negativamente. Ele bufou.

一 Está bem. Eu te levo.

Sentindo-me vitoriosa como se acabasse de ganhar um jogo de pôquer, eu acompanhei os passos dele. Mas ele andava muito depressa, quase corria, era realmente surpreendente para um gato tão preguiçoso. Andamos por lugares que para meus pés humanos eram muito, digamos, inóspitos. Ele subiu em cima de telhados e para não perdê-lo tive que ir subir também. Atravessamos becos estreitos e acabei arranhando os cotovelos uma série de vezes. Eu tinha certeza que devia ter um caminho mais fácil. Ele estava com certeza me torturando para se vingar por eu ter perturbado a soneca dele. Depois de muitas subidas e descidas finalmente ele parou. Coloquei as mãos nos joelhos e abaixei a cabeça para tomar fôlego. Mesmo que eu fosse brilhante nas aulas de educação física ou até uma atleta eu não poderia competir com a agilidade absurda de um felino. Ufa! Nós finalmente tínhamos chegado. Mas...Chegado onde?

Sussurros do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora