Eu nunca tive muitas coisas na vida. Principalmente em comparação ao que todos ao meu redor tinham. Eu morava em uma cidade pequena, mas todos os moradores levavam uma boa vida de conforto e felicidade. Meu amado Maurício era filho de um desses moradores, o Conde Montenegro, que junto ao prefeito Gonçalves, controlavam a cidade de Raio Prates.
Desde que me entendo por pessoa, meu coração pertence a Maurício, que era meu melhor amigo na época. Brincávamos muito na oficina de meu pai, e as vezes no quintal da mansão, na qual nunca pude entrar. Os momentos com ele pareciam ser sempre leves e eu esquecia da vida quando ouvia sua voz. Mas ele nunca sentiria o mesmo por mim, já que seu amor estava direcionado a outra pessoa. Emília Gonçalves, a filha mais nova do prefeito. Bem, é conveniente demais que os herdeiros das pessoas mais poderosas da cidade estivessem apaixonados! Nem ao menos sei se Emília era apaixonada por Maurício, já que nunca falou nada sobre. Mas Maurício esperaria pelo seu amor, o que me irritava profundamente. Mas mais irritado ainda ficava o meu irmão, Ambrósio, que era quem tinha que aguentar as minhas reclamações.— Não seja tão dura consigo mesma, Donatella. Um dia ele há de perceber.
Era o que ele sempre dizia. Toda vez. Era o máximo de importância que ele daria pra minha dramática situação, porque Ambrósio era garoto e era frio, nunca sentiria um amor como o meu. Ele tinha planos de herdar a oficina de nosso pai, e por isso, seu tempo e esforços eram dedicados apenas a provar seu valor. Ele nunca teve amigos próximos e quase nunca saía de casa. Acho que por isso era tão branco.
Um dia, estávamos eu e Maurício sentados no coreto da Praça, tínhamos doze anos e dividindo um doce que pegamos escondido da venda, quando ele percebe que Emília estava passando de mãos dadas com Danilo Moura, outro filho de ricaços. Me lembro da cena até hoje, de Maurício e Danilo trocando socos e pontapés no meio da rua. Lembro também de estar incentivando a briga e torcendo por Maurício, enquanto a tonta da Emília assistia tudo, e implorando para que eles parassem. Nunca gostei do jeito que sempre conseguia tudo o que queria apenas piscando os doces olhos verdes, enrolando nos dedos seus cachos dourados e sorrindo, mas não é assim que se aparta uma briga. Eu devia ter contado isso pra ela naquela hora, mas eu estava torcendo pelo momento que um deles ia perder a carteira no chão.
Depois da confusão, eu levei Maurício de volta para o sua imensa mansão, mas não me deixaram passar do portão. Naquele tempo, eu não tinha entendido o porquê, mas hoje em dia, analisando melhor as palavras "suja e indecente", repetidas pela própria empregada continuamente, ficou claro como água. Tinham nojo de mim, porque eu estava sempre suja de graxa, tinha dentes tortos e cabelo desgrenhado e... porque eu era pobre. Mas à mim, não importava. Meu amor por Maurício era incalculável, e por ele, suportaria tudo.
No dia seguinte, ele veio até mim e agradeceu muito pela a ajuda que dei à ele. Ele tinha um brilho muito sincero nos olhos, e achei que ele finalmente tinha percebido que eu o amava, e poderia começar a me amar também. Isso só até ele me dizer que Emília tinha o procurado em sua casa mais tarda, querendo saber se ele estava bem. Meu sorriso largo se desfez imediatamente, e ele nunca percebeu, porque estava puxando minha mão para correr até a venda de novo e roubar outro doce. Hoje me dei conta de que ele só me levava junto para não correr risco de ser pego, já que eu era pobre e era eu quem pegava o doce. Nem todo o dinheiro do mundo poderia dar à ele o prazer de me humilhar à troco de nada.
De qualquer jeito, eu ainda o seguia cegamente por aí, achando que seria correspondida.
Os anos se passaram, e crescidos nos tornamos. Meu pai ainda tocava a oficina com a ajuda de Ambrósio, que já era um homem e atraía olhares das mulheres da cidade, mas seu único foco sempre seria a amada oficina. Que precisava dele, agora que meu pai estava terrivelmente doente. Ele nunca foi muito próximo da gente, ou demonstrou amor e preocupação. Mal falava conosco ,e fui criada pelo meu irmão, praticamente. O dinheiro sempre foi curto, então Ambrósio tirava comida de seu prato para colocar no meu, sorrindo. O amor fraternal e paternal vinha dele, sempre.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Minhas Condolências
RandomUma senhora de idade contará sobre suas memórias e sobre o amor que deixou para trás, na cidade de Raio Prates.